Theresa May dá poder aos eurocépticos para provarem as suas ideias

A nova primeira-ministra do Reino Unido despediu meia dúzia de governantes ligados a Cameron e construiu um governo de combate, para lidar com o "Brexit", que incluiu antigos rivais, como Andrea Leadsom.

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Theresa May à chegada a Downing Street, onde está a montar a sua equipa de governo OLI SCARFF/AFO

Theresa May completou a sua equipa de governo, que não é de todo a continuação do de David Cameron. Figuras importantes durante os anos Cameron foram afastadas, como George Osborne e Michael Gove, e foram chamados a assumir responsabilidades eurocépticos como Boris Johnson (Negócios Estrangeiros), Philip Hammond (Finanças) e até a rival que disputou com ela a liderança dos tories, Andrea Leadsom (Ambiente, Pescas e Desenvolvimento Rural), que terá de lidar com alguns dos sectores económicos mais afectados com o “Brexit”.

O afastamento mais sonante do segundo dia da nova primeira-ministra britânica no número 10 de Downing Street foi de Gove, um dos principais rostos da campanha pela saída do Reino Unido da UE e adversário de Theresa May na disputa pela liderança do Partido Conservador. Gove e May zangaram-se em 2014, quando ele era ministro da Educação e se descobriu que tinha dito ao jornal The Times que ela, enquanto ministra do Interior, não tinha conseguido “secar o pântano” do extremismo islâmico.

Agora, Gove foi substituído por Liz Truss, que era secretária de Estado do Ambiente e da Alimentação de Cameron e uma apoiante da permanência do Reino Unido na UE. Eleita deputada pela primeira vez em 2010, tornou-se a primeira ministra da Justiça no Reino Unido. É popularmente conhecida por um discurso no congresso dos tories em 2014 em que criticou os britânicos porque dois terços do queijo que comem é importado…

Boris Johnson, ninguém o leva a sério

Truss é uma das várias mulheres nomeadas por Theresa May – outra é Andrea Leadsom, que já integrava o Governo de Cameron, como secretária de Estado da Energia mas foi promovida – ainda que o Ministério do Ambiente, Pescas e Desenvolvimento Rural seja tradicionalmente visto como um dos menos prestigiados, diz Adam Vaughan no Guardian. Será pelo menos uma pasta bem difícil.

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Andrea Leadsom, rival de Theresa May na luta pela direcção dos tories, fica com pasta da Agricultura OLI SCARFF/AFP

Os agricultores britânicos deixarão de ter acesso aos subsídios da União Europeia – cerca de 3000 milhões de libras por ano, diz o Guardian – e caber-lhe-á a ela lutar por apoios do Orçamento do Estado para substituir esta soma, que representa 55% dos rendimentos dos agricultores. Ou então não: num artigo de 2007, Leadsom defendeu que os subsídios europeus à agricultura deviam ser abolidos. Aguarda-se para ver como resolverá a questão, agora que chegou a altura do “Brexit”.

De caminho, noticia a BBC, foi eliminado o Departamento de Energia e Alterações Climáticas, transformado noutro, o Departamento de Energia, Empresas e Estratégia Industrial, sob a alçada do novo ministro da Economia. Ed Miliband, ex-líder do Partido Trabalhista e ex-ministro do Ambiente, classificou esta medida como “simplesmente estúpida”, num momento em que se multiplicam os desafios com os efeitos das alterações climáticas.

Nicky Morgan (Educação) e John Whittingdale (Cultura, Media e Desporto) não foram reconduzidos. A saída de Morgan, uma protegida do ex-ministro das Finanças George Osborne que apoiou Gove na corrida à liderança, foi celebrada pelos professores, com os quais teve múltiplas disputas. Whittingdale tinha a seu cargo a muito polémica remodelação da BBC, com inúmeros cortes.

A Educação foi entregue a Justine Greening, aumentada com a pasta do Ensino Superior – um sector que pode ser afectado seriamente pela saída do Reino Unido da União Europeia, não só ao nível do ensino como da investigação científica.

Equilíbrios e desafios

Priti Patel, secretária de Estado do Emprego de Cameron e estrela ascendente do Partido Conservador com o anterior primeiro-ministro –, foi a primeira mulher de origem asiática eleita deputada pelos tories, em 2010 – foi um rosto destacado do “Brexit” e da ala mais à direita do partido. Permanece no Governo, mas com uma pasta que há três anos defendeu que devia ser abolida: a do apoio ao Desenvolvimento Internacional.

Este é um governo de equilíbrios e desafios lançados aos eurocépticos: demonstrem na prática o que andaram anos a defender. Por isso inclui escolhas polémicas como Boris Johnson nos Negócios Estrangeiros, que está a causar espanto pelo mundo fora.

Philip Hammond, o novo ministro das Finanças, afastou já a possibilidade de um novo Orçamento do Estado de emergência – que tinha sido colocada por George Osborne. “A nossa economia vai mudar à medida que formos avançando, e vai exigir um conjunto de parâmetros de avaliação diferentes. Claro que queremos reduzir mais o défice, mas a forma como e o ritmo a que o vamos fazer é algo que agora temos de considerar, perante as novas circunstâncias económicas”, afirmou na manhã desta quinta-feira.

“Vamos sair do mercado único, em resultado da decisão de deixarmos a UE. A questão é como é que vamos negociar com a União Europeia, não do ponto de vista de membros, mas como vizinhos próximos e parceiros comerciais”, sublinhou.

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