Pellè e Éder, uma dupla de heróis improváveis
Não eram escolhas óbvias, nem tiveram percursos fáceis ou curtos para chegar à selecção italiana. Mas é neles que assentam as esperanças italianas de golos no Euro 2016.
Eram mais os pontos de interrogação do que as certezas em torno dos homens escolhidos por Antonio Conte para formar o ataque da selecção italiana no Euro 2016, mas é também graças ao bom desempenho de Graziano Pellè e Éder que a “squadra azzurra” está a superar todas as expectativas. Os elogios dividem-se entre a solidez defensiva do bloco da Juventus (Buffon, Chiellini, Bonucci e Barzagli), graças ao qual a Itália ainda só sofreu um golo, e a produção dos dois avançados, responsáveis por três dos cinco golos que colocaram a equipa nos quartos-de-final.
Não eram as escolhas mais óbvias, mas Pellè (1,94m) e Éder (1,79m) foram os eleitos de Conte e estão a retribuir a confiança do técnico. O primeiro tem 30 anos, o segundo 29 – os dois estrearam-se ao serviço da “azzurra” pela mão do próximo treinador do Chelsea (Pellè em Outubro de 2014, Éder em Março de 2015, tendo desde então marcado sete e três golos, respectivamente).
São dois futebolistas cujos percursos andam afastados dos grandes clubes italianos: a parceria que têm protagonizado no Europeu de França começou a ser forjada há quatro anos, em seis meses de convivência na Sampdoria, que então andava pela II Divisão italiana.
“Pellè é alto, forte a jogar de cabeça e bom com os pés, Éder é brevilíneo, tecnicista e veloz: o alto e o baixo, um ataque clássico”, descreveu Giuseppe Iachini, treinador do emblema genovês quando os dois avançados coincidiram lá. Amigo de Antonio Conte, o técnico contou ao diário desportivo La Gazzetta dello Sport como falou com o seleccionador italiano sobre as potencialidades da dupla: “Há uns tempos encontrámos ao jantar e conversámos sobre Éder e Pellè. Disse ao Antonio quão importantes eles foram na minha ‘Samp’. Estou muito feliz por ele ter conseguido fazê-los funcionar ao mais alto nível.”
O caminho para chegarem onde estão não foi fácil nem curto para nenhum destes dois heróis acidentais. Graziano Pellè despediu-se do futebol italiano aos 22 anos, rumando à Holanda para representar o AZ Alkmaar. O maior benefício que tirou das quatro temporadas que lá passou foi a aprendizagem com Louis van Gaal (e um título de campeão), mas em 2011 voltou a tentar a sorte em Itália. Sem grande sucesso: teve algumas aparições esporádicas pelo Parma e o tal período de seis meses cedido à Sampdoria, regressando à Holanda um ano depois.
Tudo começou a mudar aí. Com a camisola do Feyenoord, tornou-se um ídolo graças aos dotes goleadores que exibiu ao longo de duas temporadas: 55 golos em 66 partidas pelo clube. Atributos que convenceram Ronald Koeman a levá-lo com ele quando se mudou para o futebol inglês, onde assumiu o comando técnico do Southampton. Antonio Conte premiou-o com a chamada à selecção e Pellè marcou na estreia, num particular com Malta. Era algo que estava destinado: Roberto, o pai, já contou que o avançado brincava como o brasileiro Pelé, a pontapear frutos na cozinha, e foi baptizado em homenagem a Francesco Graziani, atacante do Torino e da “squadra azzurra” e campeão do mundo em 1982.
Com menos 15 centímetros de altura em relação a Pellè, Éder tem sido um bom complemento ao avançado do Southampton. Mas a sua inclusão na selecção italiana não foi pacífica: nascido no Brasil, o avançado chegou ao futebol italiano em 2005, tem dupla nacionalidade (o bisavô era de Vicenza) desde 2010. A sua presença na convocatória para o Euro 2016 reabriu a polémica dos “oriundi” – termo que se refere aos jogadores de origem estrangeira que vestiram a camisola “azzurra”.
“Os jogadores italianos merecem jogar na selecção. Os que não nasceram em Itália, mesmo que tenham passaporte, não”, afirmou Roberto Mancini, que na segunda metade da temporada 2015-16 orientou Éder no Inter de Milão. “Não gosto dos passaportes de turista. Tanto me faz que seja o avô, o trisavô ou o tio italianos. Não gosto que alguém possa escolher que selecção representar”, corroborou Matteo Salvini, deputado do partido conservador Lega Nord.
Há uma longa linhagem de jogadores naturalizados que representaram a Itália, desde os exemplos mais recentes de Thiago Motta (que também está no Euro 2016) ou Mauro Camoranesi, até históricos como Alcides Ghiggia (uruguaio e herói do Maracanazo), Juan Alberto Schiaffino ou Omar Sívori.
“É um debate sem fim e que será sempre assim. Se fizermos a pergunta a dez pessoas, cinco vão estar a favor de que eu jogue pela Itália, e cinco vão estar contra”, resumiu Éder. Conte defendeu as suas escolhas: “Pode sempre criar-se polémica, mas eu limito-me a seguir as regras. Não sou o primeiro e não serei o último a convocar estes jogadores. No último Mundial [em 2014] havia 83 naturalizados”, frisou. Com ou sem contestação, é nesta dupla de heróis improváveis que assentam as esperanças dos adeptos italianos.