Legitimado nas urnas, Rajoy assume “responsabilidade” de formar Governo
Líder da direita quer um Governo para quatro anos e oferece a vice-presidência ao candidato socialista, Pedro Sánchez. PSOE insiste na recusa de permitir ao PP continuar no poder, mas sabe que o máximo que pode fazer é vender cara a sua abstenção.
Um dia depois das segundas legislativas em seis meses, Espanha vive na ressaca de um voto que, contra todas as expectativas, serviu apenas para reforçar a posição do Partido Popular, que somou mais 700 mil votos e cresceu dos 123 deputados de Dezembro para 137. Agora, diz Mariano Rajo, cabe-lhe formar governo, com ou sem maioria.
Eleitores cansados de políticos incapazes de se entenderem e a surpresa do “Brexit” britânico vieram colocar toda a pressão nos líderes e ajudar o primeiro-ministro em funções a apresentar-se como única solução de poder.
“A prioridade absoluta é tornar possível um pacto que garanta rapidamente um executivo estável”, escreve em editorial o diário El País. Para o jornal mais lido pelos espanhóis, “independentemente dos interesses partidários ou pessoais, o que é preciso são soluções”. Impensável seria “repetir-se a esterilidade dos últimos meses ou a irresponsabilidade de contribuir para umas terceiras eleições”.
As palavras do El País são quase iguais às escolhidas por Rajoy, o mesmo que depois das eleições de Dezembro recusou sequer ser investido e tentar negociações, justificando-se com a falta de apoios no Congresso. Como se tivesse precisado de uns meses para se habituar à nova realidade pós-era das maiorias absolutas e da alternância entre PP e PSOE, agora é Rajoy a dizer que se os líderes não se puserem de acordo para governar vão cometer uma “irresponsabilidade” que descreve como “de antologia”. “Não podemos continuar nesta situação”, defende.
A sua primeira escolha passa por estender a mão ao PSOE, segundo maior partido, enfraquecido pelo pior resultado da sua história. Rajoy, aliás, quer começar a trabalhar para um entendimento com o partido de Pedro Sánchez já a partir de quarta-feira, assim que regressar do Conselho Europeu onde será discutido o chumbo do Reino Unido à União Europeia. “Farei todos os possíveis por conseguir a grande coligação”, afirma, insistindo no mesmo que defendeu durante a campanha.
“Reivindicação pessoal”
Numas eleições em que todos perderam votos menos o PP de Rajoy, vai ser difícil para os adversários continuarem a exigir o seu afastamento como condição para se sentarem à mesa com os conservadores. Apesar disso, ainda é esse o discurso que se ouve em Madrid.
"Não vamos apoiar nenhum Governo com Mariano Rajoy", repetiu já na segunda-feira Albert Rivera, líder do Cidadãos. Uma reacção que não espelha o resultado do seu partido liberal nascido para combater a independência da Catalunha, que perdeu muitos votos para o PP (à custa da estratégia de "voto útil" contra a ameaça da esquerda do Podemos) e viu a sua bancada encolher de 40 para 35 deputados, mantendo-se como quarta força mais votada.
Pior ainda estão os socialistas, ocupados a digerir uma enorme derrota – com apenas 85 deputados, ficaram a 52 do PP, e o descalabro só não é maior por terem evitado a ultrapassagem do Podemos pela esquerda e a queda para terceira força, cenário que todas as sondagens antecipavam.
Rajoy sabe que depois de todos os escândalos de corrupção e abuso de poder, depois da crise e da austeridade feroz com que a geriu, tudo seria muito mais fácil se aceitasse ceder a liderança. Os editorialistas do El País também.
Lembrando ao PSOE que “os eleitores votaram para que fique na oposição”, o jornal sugere ao partido de Pedro Sánchez que, “com a sua abstenção, deixe governar quem tem os votos necessários para o fazer”. É verdade que “a demissão de Rajoy facilitaria” o processo de formação de um Governo, e o próprio El País defende há muito essa demissão. Só que, perante um resultado que o líder da direita “vai ler como uma reivindicação pessoal”, não sobra grande espaço para forçar o PP a afastar o seu líder.
O vencedor e o derrotado
Afinal a estratégia de Rajoy, que decidiu “polarizar a campanha – e foi ajudado involuntariamente pelo referendo britânico – foi eficaz”, nota o diário. “Por muito que o seu resultado não seja mais do que uma triste vitória no meio de um cenário desolador”.
Se Rajoy apostou na polarização e venceu, o Podemos, que fez o mesmo, perdeu. Domingo à noite, Pablo Iglesias, líder incontestado do movimento herdeiro dos Indignados nascido há pouco mais de dois anos, assumiu um “resultado diferente do esperado”. No dia seguinte à ida às urnas, o habitualmente expansivo Iglesias adoptou uma postura discreta e deixou falar outros dirigentes.
A estratégia de aliança com a Esquerda Unida (na lista Unidos Podemos, que elege 71 deputados mas tem menos votos do que o Podemos conseguira sozinho, em Dezembro) não falhou, diz o director de campanha, Íñigo Errejón. Face à descida do conjunto da esquerda no Congresso, e após semanas com todas as sondagens a antecipar que o Unido Podemos seria a segunda força política, o terceiro lugar sabe a pouco e a direcção do Podemos admite não saber o que aconteceu. “Aspirávamos a mais para começar a construir um país melhor”, reconhece Errejón.
175 não são 176
Para já, todos se mostram cautelosos, sabendo-se que se não conseguir o apoio do PSOE Rajoy está decidido a governar em minoria. Juntando aos seus 137 deputados os 32 do Cidadãos, e somando a estes os cinco dos nacionalistas bascos e o do único eleito dos nacionalistas canários, alcança os 175 e fica, precisamente, a um dos 176 que garantem a desejada maioria absoluta no Congresso de 350. Um cenário que Rajoy “não descarta”.
O líder da direita prefere um Governo para quatro anos, com ministros do PSOE (oferece a vice-presidência a Sánchez) e do Cidadãos mas se não for possível, avançará para um executivo de minoria “com apoios pontuais”. Perante “o que pediram os espanhóis” Sánchez tem “a responsabilidade” do país nas mãos, sublinha Rajoy.
“Não apoiaremos a investidura de Rajoy nem nos vamos abster”, garantia esta segunda-feira o porta-voz parlamentar dos socialistas, Antonio Herrando, tentando assim retirar a pressão do PSOE e colocar a bola no campo do PP.
A grande diferença em relação a Dezembro é que a direita já não rejeita a sua própria responsabilidade. E por mais que os socialistas tentem adiar o inevitável sabem que acabará por chegar o momento em que Rajoy se submeterá ao voto dos deputados. Segundo o calendário, esse momento deve chegar até ao fim de Julho, depois das audiências do rei com todos os partidos com bancada parlamentar.
O máximo que o PSOE pode fazer é ganhar tempo e vender cara essa abstenção, dramatizando-a ao máximo, para a justificar ao seu eleitorado em nome da estabilidade. Entretanto, para a semana, vai reunir o seu comité federal e a resposta ficará mais clara. “No fim, o mais normal será que Rajoy acabe por governar com a nossa abstenção”, admite um dirigente socialistas citado pela AFP sob anonimato. “Mas essa abstenção só se vai justificar quando estiver demonstrado que não existe outra solução.”