A Vénus de Milo está rodeada de caixotes e a culpa é do Sena

As cheias em Paris obrigaram o Museu do Louvre e o D’Orsay a esvaziarem as caves onde têm milhares de objectos em reserva. Só no Louvre foram 150 mil as peças deslocadas para as galerias. Os dois museus fecharam as portas, assim como o Grand Palais e parte da Biblioteca Nacional de França.

<i>Vénus de Milo</i> partilha agora a sua galeria no Departamento de Antiguidades Gregas, Etruscas e Romanas do Louvre com dezenas de xaixotes vindos das reservas instaladas na cave do museu
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Vénus de Milo partilha agora a sua galeria no Departamento de Antiguidades Gregas, Etruscas e Romanas do Louvre com dezenas de caixotes vindos das reservas instaladas na cave do museu GEOFFROY VAN DER HASSELT/AFP
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No Departamento de Antiguidades Gregas, Etruscas e Romanas do Louvre GEOFFROY VAN DER HASSELT/AFP
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Departamento de Antiguidades Gregas, Etruscas e Romanas do Louvre GEOFFROY VAN DER HASSELT/AFP
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No Departamento de Antiguidades Gregas, Etruscas e Romanas do Louvre há caixotes por toda a parte GEOFFROY VAN DER HASSELT/AFP
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As peças vindas das reservas foram cuidadosamente acondicionadas GEOFFROY VAN DER HASSELT/AFP
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Passado o perigo, mais de 150 mil peças voltarão ao lugar que habitualmente ocupam nas reservas GEOFFROY VAN DER HASSELT/AFP
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Muitas das ruas de Paris junto ao Sena têm hoje este aspecto LUDOVIC MARIN/AFP
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Vista aérea de 2012 que mostra bem a relação de proximidade entre o Louvre — o grande edifício à esquerda — e o rio GUILLAUME BAPTISTE/AFP

Foram dias de chuvas torrenciais. Há mais de 30 anos que as águas do Sena não subiam tanto. Em Paris, alagam praças, ruas e jardins, quase cobrem as pontes, entram nos pisos térreos dos edifícios, nas caves de restaurantes e lojas. Nas margens do rio existem dois grandes museus, o Louvre e o D’Orsay, que foram obrigados a fechar. O motivo? Foi preciso retirar das caves, onde estão alojadas as reservas que guardam milhares e milhares de peças de grande valor, centenas de caixotes que estão agora nas galerias de exposição. No Louvre, as salas que ficam no leito de cheia do Sena, como as das alas consagradas à arte islâmica, também foram esvaziadas. Não há nada nas vitrinas. Nesta sexta-feira os dois museus estão fechados (devem continuar no fim-de-semana se a situação não melhorar), assim como alguns dos palácios visitáveis no Vale do Loire, parte deles isolados pelas águas.

O Grand Palais e dois dos edifícios da Biblioteca Nacional de França (BNF), incluindo o do grande arquivo subterrâneo a oeste da capital francesa, foram também encerrados ao início da tarde desta sexta-feira. Segundo o diário espanhol El País, várias instituições culturais parisienses nas imediações do Sena - o Instituto do Mundo Árabe, o Museu do Quai Branly ou a Escola Superior de Belas-Artes - irão activar os seus planos de emergência se as águas continuarem a subir. Até a Presidência da República pondera mudar de instações se a situação se agravar. O primeiro-ministro Manuel Valls veio já dizer que, no esforço de garantir que todo o trabalho governativo se mantém sem interrupções, sobretudo o que diz respeito à gestão das mais diversas situações que as cheias criaram no norte do país, o executivo poderá ter de vir a trocar o Eliseu pelo Castelo de Vincennes, a leste de Paris.Se a transferência, ainda que temporária, vier a acontecer, François Hollande cumprirá um sonho do general De Gaulle, que no seu primeiro mandato chegou a planear instalar-se nesta fortaleza medieval.

Quem abre a página na Internet do Museu do Louvre encontra de imediato um aviso de “encerramento excepcional”: “Devido a um alerta de cheias do Sena, o museu estará excepcionalmente fechado ao público esta sexta-feira 3 de Junho de 2016 para que se possam pôr em segurança as obras que se encontram em zonas inundáveis.” No site do Museu d’Orsay a informação é mais discreta – é preciso consultar a agenda do dia para perceber que, afinal, está fechado devido à necessidade de aplicar o Plano de Protecção Contra as Inundações.

Segundo as agências noticiosas, as águas do rio que atravessa a capital francesa, cujo centro está desde quinta-feira sob alerta laranja, continuam a subir. Garantem a Reuters e a AFP que ultrapassam já mais de cinco metros o seu nível habitual, ainda assim muito aquém do máximo histórico registado – os 8,60 metros das cheias devastadoras de 1910. Bruno Janet, responsável pelo serviço de previsão de cheias, disse à agência de notícias francesa que o pico deverá ocorrer ao longo desta sexta-feira e que ficará abaixo do das inundações de 1982 (6,15 metros).

Transferidas 150 mil obras de arte

Nos museus do Louvre e D’Orsay, em margens opostas do rio, todo o pessoal foi mobilizado para a operações de salvaguarda das colecções. Muitos voluntários foram também chamados. Os trabalhos decorreram toda a noite e esta manhã muito havia ainda por fazer.

A ministra da Cultura, Audrey Azoulay, esteve esta sexta-feira no Louvre para se reunir com o seu presidente, Jean-Luc Martinez, e se inteirar dos trabalhos naquele que é há já vários anos o museu mais visitado do mundo (8,6 milhões de pessoas em 2015, recebendo o segundo mais visitado, o Museu Britânico, 6,8).

É bem provável que Azoulay, que nessa reunião se encontrou também com vários responsáveis por outras importantes instituições culturais, como o Grand Palais, o Pompidou e a Biblioteca Nacional de França, tenha passado pelas salas do Departamento de Antiguidades Gregas, Etruscas e Romanas, onde está uma das esculturas mais populares do museu, a Vénus de Milo. A célebre estátua grega está agora rodeada de caixotes vindos das reservas, amontoados por toda a parte, cuidadosamente etiquetados para que os funcionários saibam a que armários, prateleiras e gavetas devolver os seus conteúdos mal a situação se normalize.

Segundo o jornal francês Le Figaro, foram transferidas 150 mil obras de arte das reservas. O gabinete de crise do Louvre, museu que tem uma brigada própria de bombeiros sapadores em permanência, estima que sejam precisas 72 horas para retirar as peças das zonas inundáveis.

Desde 2002 que o Museu do Louvre tem um plano de prevenção que lhe permite lidar sem alarme com inundações. Elas são, aliás, frequentes, embora estas tenham níveis invulgares. No dia 8 de Março, lembra a AFP, os funcionários participaram num exercício de simulação de cheias que obrigou à evacuação das caves do Departamento de Arte Islâmica.

No D’Orsay, que recebeu no ano passado uns mais modestos 3,4 milhões de visitantes, mas continua na lista dos dez museus mais concorridos do mundo, também já houve vários exercícios do género este ano. Há na sua estrutura uma pequena célula de funcionários encarregada de assegurar que, em caso de alerta e em qualquer altura, dia ou noite, há gente suficiente para proteger as obras em reserva.

No Museu d’Orsay, instalado numa antiga estação ferroviária, a situação é menos preocupante do que no Louvre porque apenas uma pequena parte das reservas está no subsolo – as obras que não estão em exposição estão guardadas, na sua maioria, em armazéns externos. O Louvre tem prevista a reinstalação das suas reservas fora do palácio que lhe serve de casa apenas em 2019. Até lá, conta com uma série de bombas para impedir que a água inunde por completo as caves do museu.  

Como as chuvas torrenciais que afectaram Paris se estenderam a todo o Norte de França, outros rios galgaram as margens e provocaram grandes inundações. No Vale do Loire, onde há uma grande concentração de palácios reais e da alta nobreza, em boa parte visitáveis, vários monumentos tiveram de fechar por terem ficado isolados pelas águas.

Entre os que encerraram está o maior dos palácios da região, o Castelo de Chambord, que começou por ser o pavilhão de caça de Francisco I de França e acabou por se transformar num dos mais célebres palácios europeus. O Figaro, que ouviu o director-geral de Chambord – uma propriedade que, além do palácio, tem 540 hectares de campos e floresta – garante que as colecções, em que se destacam as tapeçarias, não foram afectadas. Jean d’Haussonville, que vive no palácio, teme que o monumento venha a ficar isolado caso as águas continuem a subir e comprometam o abastecimento de electricidade à propriedade. Mas, para já, prefere brincar com o facto de as inundações terem conferido a Chambord um aspecto que certamente agradaria a Francisco I: “Ele queria, de início, que o castelo surgisse das águas”, lembra, “e chegou mesmo a imaginar desviar o curso do Loire, ideia a que acabou por renunciar por causa dos custos”.

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