Mais de 160 funcionários do Montepio reformados por invalidez este ano

Vários bancos estão a passar centenas de trabalhadores do activo para a reforma por doença e invalidez, sem necessidade de avaliação de junta médica, e com direito a indemnizações.

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Face do número crescente de pedidos, alguns médicos têm recusado “ atestar em sua honra” Enric Vives-Rubio

Problemas de saúde como colesterol elevado ou fígado gordo têm sido suficientes para garantir a reforma por doença e invalidez a centenas de funcionários bancários com mais de 55 anos e 35 anos de trabalho. Estas reformas têm sido incentivadas por vários bancos através de indemnizações e outras vantagens, como aconteceu este ano no Montepio, que desta forma garantiu a saída de 167 trabalhadores.

Estas reformas, em alguns casos com uma antecedência de dez anos face à idade normal de reforma no sector, têm custos inferiores para os bancos, quando comparadas com outras soluções para cortar trabalhadores, mas sobrecarregam a Segurança Social, que recebeu os fundos de pensões e ficou responsável pelo pagamento destas prestações.

Os trabalhadores que desta forma passam para a reforma deixam de fazer contribuições para a Segurança Social, a que estavam obrigados desde 1 de Janeiro de 2011, e, apesar de serem pagos com verbas dos fundos, vão utilizar essa dotação por mais anos do que aconteceria se se reformassem em condições normais. Esta situação pode comprometer, no futuro, a cobertura integral dos custos globais dos bancários, situação que não deixa de preocupar alguns funcionários no activo. Paralelamente, a Segurança Social tem ainda de suportar integralmente os valores relativos a descontos efectuados pelos funcionários bancários desde 2012.

Estas reformas por doença ou invalidez garantem o acesso a 100% do valor a que teriam direito se atingissem o limite de idade e ficam muito próximas da respectiva categoria ou nível salarial fixado para o sector. Este processo também não precisa de ser confirmado por junta médica, como acontece com a generalidade dos portugueses, que muitas vezes são obrigados a continuar a trabalhar mesmo no caso de doença grave e incapacitante. No caso dos bancários, uma simples declaração dos médicos do SAMS (Serviço de Apoio Médico ou Social dos Bancários) ou dos médicos internos formaliza o processo, e não são conhecidos quaisquer entraves colocados pela Segurança Social. 

O PÚBLICO apurou que, nos últimos meses e em face do número crescente de pedidos de atestados, alguns médicos do SAMS recusaram-se “a atestar em sua honra” que o trabalhador estava incapacitado para o trabalho. A situação foi ultrapassada a partir do momento em que foi explicado que uma simples declaração médica, aludindo a problemas de saúde, era suficiente.

A “via verde” para estas reformas é justificada através do Acordo Colectivo de Trabalho do Sector Bancários (ACT), que apenas exige a verificação por junta médica “quando existir desacordo entre a instituição e o trabalhador” quanto à situação de doença ou de invalidez (cláusula 139.ª). O nº1 da cláusula 137.ª prevê que “no caso de doença ou invalidez, ou quando tenham atingido os 65 anos de idade [invalidez presumível], os trabalhadores em tempo completo têm direito” às mensalidades que lhe competiam pelas tabelas em vigor no contrato colectivo e a subsídio de Natal e 14º mês.

Mas o que está a acontecer, ao abrigo deste artigo, é a reforma de trabalhadores que têm plena capacidade de trabalho, mas que interessa aos bancos que saiam nesta modalidade. Na prática, este tipo de reformas estão a funcionar como uma espécie de pré-reforma ou reforma antecipada, possibilidades que não estão previstas no ACT dos bancários, mas que acarretam cortes elevados nas pensões do regime geral. Na banca, a idade de reforma normal é a partir dos 60 anos na CGD e no Banco de Portugal e dos 65 anos noutras instituições financeiras.

O acordo tripartido assinado pelo Ministério das Finanças, a Associação Portuguesa de Bancos e os sindicatos do sector, aquando da transferência dos fundos de pensões para a Segurança Social, nada refere sobre a harmonização de regras. Pelo contrário, no acordo assinado pelo antigo secretário de Estado da Administração Pública, Hélder Rosalino, em Dezembro de 2011, é garantido que “a Segurança social assume, a partir de 1 de Janeiro de 2012, a responsabilidade relativa ao pagamento das pensões aos reformados e pensionistas (…), resultantes da aplicação dos instrumentos de regulamentação colectiva vigentes no sector à data de 31 de Dezembro de 2011, nos termos, condições, montantes e datas neles previstos (…)”.

As instituições financeiras apenas ficam obrigadas ao pagamento das actualizações do valor das pensões que passaram a ser assumidas pela Segurança Social. Ficou ainda garantida a “extinção definitiva e irreversível das responsabilidades das instituições de crédito para com os reformados e pensionistas, assumidas pela Segurança Social”.

O PÚBLICO questionou o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social sobre a facilidade das reformas por invalidez e o impacto na Segurança Social, mas apenas recebeu a indicação de que “não era possível dar uma resposta em tempo útil”. Desafiado a definir um período de tempo necessário para responder às questões colocadas, o gabinete de imprensa do ministro Vieira da Silva não respondeu.

Indemnização e reforma

O convite a funcionários para que se reformem por doença e invalidez tem partido dos próprios bancos e está associado a vários incentivos, o mais relevante dos quais passa pela atribuição de indemnizações, em função da antiguidade. O Montepio lançou um programa desse tipo, em Fevereiro, a que baptizou de Programa de Reforma Activa, “iniciativa orientada aos colaboradores que reúnem condições para a aposentação (antiguidade e/ou idade) e que assegura a manutenção da fonte de rendimento e demais benefícios”.

O comunicado da administração, a que o PÚBLICO teve acesso, adianta que o programa aplica-se “a todos os colaboradores da Caixa Económica Montepio Geral com mais de 55 anos e direito imediato a 100% ou 96% da reforma” e prevê “a opção entre suspensão da prestação de trabalho, com 60% de remuneração, ou reforma imediata, com incentivo financeiro, assim como a manutenção da protecção na saúde (SAMS), das condições pré-existentes de crédito à habitação”, entre outras. No comunicado, a administração avisava que a aceitação da “iniciativa única e, como tal irrepetível”, teria de ser feita até ao final do mês de Fevereiro.

Num acordo assinado no âmbito deste programa, a que o PÚBLICO teve acesso, é referido que o Montepio e o ex-trabalhador reconhecem que estão reunidas as condições para a passagem “à situação de reforma por invalidez, nos termos previstos na cláusula 137ª, nº1 do ACT, cessando, em consequência, o contrato de trabalho que os liga”. O acordo refere a existência de “declaração médica” que fica anexa ao acordo e o reconhecimento pelo banco de 35 anos de antiguidade. É ainda referido o pagamento ao funcionário de uma compensação de meio salário bruto, por cada ano de Finibanco e de Montepio, na sequência da compra do primeiro. O valor da indemnização, que poderá não ser igual para todos os trabalhadores do Montepio, varia face a outros bancos.

No acordo é garantido ainda que o ex-funcionário, agora reformado por invalidez, receberá as mensalidades de reforma a 100% do valor fixado no anexo VI do ACT e que o trabalhador, quando atingir a idade de reforma por velhice, terá de “requerer junto da Segurança Social o benefício da mesma natureza”. Ou seja, cessa a reforma por invalidez e passa à reforma por velhice.

Contactada pelo PÚBLICO, a administração do Montepio começou por dizer que era “difícil adivinhar” quantas pessoas saíram ou iriam sair por invalidez, admitindo que “pode ter havido meia dúzia”. E que as restantes pessoas “fizeram-no enquadradas no plano de reformas e pré-reformas [possibilidade que não existe na banca]. Em contacto posterior, fonte oficial admitiu que o número de reformas sob a forma “de invalidez” abrangeu 167 funcionários.

Em resultado de vários contactos junto de funcionários bancários, o PÚBLICO encontrou relatos de situações idênticas noutros bancos. Num dos casos, no BCP, uma ex-funcionária garantiu que recebeu “uma indemnização considerável”, que não quantificou, garantindo que não teve de pedir qualquer declaração médica. “ Se era necessário, foi o banco que tratou disso”, assegurou.

Depois do Programa de Reforma Activa, o Montepio lançou a 30 de Março outro programa de saída de trabalhadores, mas por meio de suspensão do contrato de trabalho, que em função da idade e antiguidade, garante entre 60% e 80% da remuneração pensional constituída até Março de 2016. Este tipo de programa fica mais caro, porque, para além de a indemnização ter de ser mais atractiva para convencer os trabalhadores, em alguns casos o banco terá de transferir para o fundo de pensões (agora na Segurança Social) o valor das contribuições devidas até à idade de reforma por velhice, ou assegurar o pagamento de salários, mais reduzidos, até o limite de idade previsto no ACT.

Não foi possível, em tempo útil, reunir informação sobre o número de funcionários reformados por invalidez no universo de sector.

 

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