Quem vai dar o passo atrás na guerra da lei do trabalho em França?
Governo dá mensagens contraditórias sobre o que pretende fazer. Greves do sector energético deixaram um terço das 12 mil estações de serviço em ruptura total ou parcial e reduziram em 6% produção de electricidade nas centrais nucleares.
Quem vai dar um passo atrás, o Governo de Manuel Valls ou a Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT) francesa, que está a liderar a contestação contra o novo Código do Trabalho? A central sindical deu nesta quinta-feira uma prova de força, com uma greve nas refinarias e nas centrais nucleares que deixou o país com menos 6% da sua capacidade de produção de electricidade e 20% das bombas de gasolina vazias. Mas o primeiro-ministro, embora reconheça que possa haver “melhoramentos” na lei, diz que não haverá mudanças no artigo 2 do novo Código, o maior motivo de contestação.
O Governo confirmou ter utilizado três dias de reservas estratégicas de produtos petrolíferos (dos 115 que tem disponíveis) e cerca de um terço das 12 mil estações de serviço francesas entraram em ruptura total ou parcial, com filas de espera de veículos em todo o país.
Em várias cidades houve manifestações que resultaram, por vezes, em confrontos com a polícia – Valls falou na possibilidade de fazer uma requisição civil, e França vive ainda em estado de emergência, desde os atentados do Estado Islâmico em Paris a 13 de Novembro. O clima de tensão é elevadíssimo: há já uma greve geral convocada para 14 de Junho, quando já tiver começado o campeonato europeu de futebol, que este ano se realiza em França, a partir de 10 de Junho.
No entanto, nos últimos dias, têm-se multiplicado declarações dentro da maioria socialista reveladoras de que a barragem que deveria proteger esta parte fundamental do Código do Trabalho – 50 páginas são-lhe dedicadas no novo documento legislativo – não é estanque. Este artigo permite que os acordos de empresa tenham precedência sobre os acordos colectivos de trabalho, nomeadamente no que toca aos tempos de trabalho e folgas.
O que o Código traz de novo, e que a CGT – e seis outras organizações sindicais – não aceitam é que os acordos negociados ao nível das empresas possam ser menos favoráveis do que os realizados de forma colectiva para um determinado ramo de actividade. A ministra do Trabalho, Myriam El Khomri, parte no entanto do princípio de que os sindicatos não aceitarão condições mais desfavoráveis nas empresas.
Mas o ministro das Finanças, Michel Sapin, declarou na televisão que “talvez seja preciso retocar o artigo 2”. Fez o que foi lido como um apelo a sindicatos que tenham uma posição menos intransigente do que a que da CGT, que rompeu negociações com o Governo: “Será preciso analisar os pormenores. Os que estão a bloquear depósitos de combustíveis não estão a verificar os pormenores”, sublinhou, provavelmente dirigindo-se à Força Operária, a terceira maior sindical, diz o Libération.
Bruno Le Roux, o líder parlamentar dos socialistas, disse também que o Código do Trabalho – que nos próximos meses terá ainda de passar pelo Senado, depois de ter sido aprovado pelo Governo sem discussão na Assembleia Nacional, utilizando um artifício permitido pela Constituição francesa – pode “continuar a evoluir”. A hierarquia dos acordos de empresa e colectivos e a “a questão das horas suplementares” são potenciais áreas de evolução, sublinhou – são também algumas das mais contestadas pelos sindicatos.
Face a estas sugestões de dirigentes socialistas, repetidas por vários deputados, Manuel Valls reagiu com irritação. Ele sugeriu aceitar modificações, mas não no artigo 2. “Não será retirado o texto, nem posto em causa o artigo 2, que é o coração da filosofia do Código do Trabalho”, afirmou na televisão BFM.
Mas o problema, diz o Monde, poderá ser o momento em que tanto Sapin como Le Roux falaram – demasiado cedo, antes de uma greve paralisante contra o Governo socialista, menos de um ano antes das eleições presidenciais, em que as hipóteses de reeleição do Presidente François Hollande são muito fracas.
A CGT está a fazer a sua própria batalha de afirmação, num momento em que perde terreno – segundo números da própria confederação, revelados no último congresso, em Abril, apenas 2,8% dos trabalhadores estão filhados na CGT, por isso joga uma estratégia de radicalização. O caminho seguido pelo Governo poderá ser, por isso, o da divisão da frente de protesto sindical, cedendo em alguns pontos que poderão satisfazer centrais como a Força Operária, que até agora está com a CGT. Seria uma forma de se aproximar da tendência mais à esquerda do PS francês, revoltada com os novos caminhos seguidos por Valls e Hollande.