Confrontos em mais um dia de protesto em França contra lei do trabalho
Há sinais de alguma desmobilização, mas o protesto nacional iniciado há um mês continua.
Sindicatos e organizações estudantis franceses não querem deixar cair a contestação à reforma laboral, apesar dos sinais de desmobilização e do recuo do Governo de François Hollande nalguns pontos mais polémicos do diploma. Pela sexta vez num mês, milhares de pessoas saíram à rua em dezenas de cidades – 200, segundo os organizadores –, em protestos que em Paris, Nantes e Rennes voltaram a terminar em confrontos entre a polícia e grupos radicais.
Jornalistas do Le Monde deram conta da “grande tensão” vivida já depois da chegada da manifestação à praça da Nação, no centro de Paris, com grupos de encapuzados a gritarem “toda a gente detesta a polícia” e a atirarem pedras, paus e petardos contra as forças de intervenção, que reagiram com granadas de gás lacrimogéneo. Nove jovens foram detidos, numa altura em que a maior parte dos manifestantes – 18 mil segundo a polícia, 110 mil segundo os organizadores – já tinha desmobilizado.
O estado de emergência que vigora em França desde os atentados de Novembro significa que qualquer manifestação é acompanhada de um forte dispositivo de segurança, sem margem para imprevistos. Foi o que aconteceu em Rennes, onde alguns jovens tentaram furar o cordão que impedia a passagem para o centro histórico – nos confrontos que se seguiram três polícias e 19 manifestantes ficaram feridos. Em Nantes, outro dos bastiões da contestação no Oeste de França, centenas de jovens ergueram barreiras e vandalizaram montras de lojas.
Os sete sindicatos e as três associações de estudantes que têm liderado a contestação à lei El Khomri (o nome da ministra do Trabalho, Myriam El Khomri) queriam fazer deste sábado um dia de grande mobilização, depois de as manifestações da última semana terem ficado muito aquém dos grandes protestos de 31 de Março, quando 1,2 milhões de pessoas (nas contas dos organizadores) estiveram nas ruas. Numa tentativa para chamar as famílias, o protesto realizou-se pela primeira vez ao fim-de-semana, mas com dois terços do país em férias escolares, os números voltaram a ficar abaixo das semanas anteriores.
Nada que desanime os sindicatos, apostados em forçar o Governo socialista a abandonar um diploma que acusam de facilitar os despedimentos e promover o trabalho precário, mas que Hollande diz ser essencial para reduzir o desemprego, a rondar os 10% da população activa. “Estamos a começar o segundo mês” de protestos e “estamos optimistas e determinados”, afirmou ao Le Monde Jean-Claude Mailly, secretário-geral da Força Operária, a terceira maior central sindical do país.
Ao cair do dia, as atenções deveriam virar-se para as concentrações que iriam tentar replicar, em 60 cidades o movimento cidadão Nuit Debout que desde 31 de Março toma todas as noites a praça da República. Inspirada nos Indignados em Espanha ou o Occupy Wall Street, nos EUA, a mobilização nasceu da contestação ao código do trabalho, mas as discussões livres e as deliberações colectivas estenderam-se a muitos outros temas, da crise dos refugiados, à precariedade ou ao descrédito da classe política. Nos últimos dias, as concentrações estenderam-se a outras cidades, mas neste sábado à noite seria o teste à capacidade de o movimento se disseminar a todo o país.
Com a reforma laboral a engrossar a contestação do eleitorado socialista a Hollande e ao seu primeiro-ministro, Manuel Valls, um dos instigadores da viragem ao centro do Governo, o diploma foi já significativamente alterado na na primeira semana de debates na comissão parlamentar de Trabalho e mais mudanças são esperadas até ser debatida em plenário, no início de Maio.