Ennahda vai deixar de ser um partido islâmico da Tunísia
"Saímos do islão político para entrar na democracia muçulmana", disse o líder e fundador do partido, Rached Ghannouchi.
O Ennahda vai deixar cair a designação de partido islamista porque “isso deixou de se justificar na Tunísia”, passando a ter uma agenda apenas civil, anunciou o fundador e presidente da formação, Rached Ghannouchi, numa entrevista ao jornal francês Le Monde.
“Afirmamos que o Ennahda é um partido político, democrático e civil e uma referência dos valores civilizacionais muçulmanos e modernos [...]. Nesse sentido, vamos ser um partido que se especializou apenas nas actividades políticas”, disse Ghannouchi nas vésperas do congresso em que o partido vai formalizar a sua transformação, e que terá lugar entre sexta-feira e domingo.
“Saímos do islão político para entrar na democracia muçulmana. Somos muçulmanos democratas que deixam de reclamar o islão político”, reforçou o presidente, explicando que tinha algumas reservas sobre esta definição “islão político”, uma terminologia ocidental, mas que servia para classificar o fim da actividade e prédica do Ennahda.
“Queremos que a actividade religiosa seja completamente independente da actividade política. É o melhor caminho para que os políticos não poderem ser acusados de manipular a religião para fins políticos. E é bom para a religião que deixa de ser refém da política, manipulada pela política”, acrescentou Rached Ghannouchi.
“É uma etapa num certo caminho em direcção à maturidade”, disse o homem que fundou o partido cujo nome significa “renascimento” em português e que regressou do exílio em Londres depois da deposição de Zine El Abidin Ben Ali, em Janeiro de 2011.
“A Tunísia vive actualmente em democracia. A Constituição de 2014 impôs limites ao extremismo laico e ao extremismo religioso. Já não se justificas o islão político na Tunísia”, disse.
O partido islamista moderado foi banido durante o regime de Ben Ali, que terminou na sequência da revolta popular democrática que ficou conhecida por Primavera Árabe. Vivida em diferentes países do Médio Oriente, onde forem derrubados vários regimes ditatoriais — no Egipto e na Líbia, por exemplo —, a Primavera Árabe teve um único caso de sucesso, a Tunísia, país onde foi instaurado um sistema democrático.
O Ennahda venceu as primeira eleições realizadas após a revolução. Em 2014, porém, foi derrotado pelo partido Nidaa Tounès do actual Presidente, Béji Caïd Essesbi. Faz parte da coligação governamental liderada pelo independente Habib Essid — uma opção que foi contestada internamente. A transformação do Ennahda para uma formação civil começou logo após 2011 e os analistas dizem que essa metamorfose foi visível logo na redacção da nova Constituição, depois de 2011.
O carácter islâmico do Ennahda gerou controvérsia desde o início da transição política. O partido, dizem os analistas, percebeu que teria que fazer as mudanças que vai agora formalizar, para corresponder à vontade dos cidadãos, sobretudo porque a manutenção da classificação de “islamista” o deixava vulnerável aos ataques dos rivais que o consideravam uma ameaça à democracia e o apelidavam de formação de “fanáticos” que iriam, a médio prazo, forçar mudanças sociais que levassem ao fim de direitos de uma sociedade secular.