Portos nacionais receiam perder competitividade
Apesar de identificados e definidos há muito, os investimentos estratégicos no sector têm vindo a ser adiados. Ministra do Mar promete decisões até ao final do semestre.
O sector portuário nacional está bem e recomenda-se. Essa é uma conclusão imediata que se retira de uma primeira análise às estatísticas do sector, que revelam uma trajectória de crescimento em toda uma década. Uma constatação que sairá reforçada, se pensarmos que nessa década estão incluídos os anos difíceis da crise e do pedido de assistência financeira. Aliás, foi mesmo desde 2011, ano de entrada da troika em Portugal, que os portos do continente começaram a bater sucessivos recordes de movimentação de mercadorias.
E, de acordo com o Banco Mundial, há já 14 anos que Portugal está entre os portos que merecem nota máxima, (na escala de 1 a 5) no ranking que avalia anualmente o desempenho logístico de 144 países. No último Índice de Desempenho Logístico (LPI), Portugal aparece no 26º lugar, numa escala que é liderada pela Alemanha e onde, em segundo e terceiro lugares, aparecem a Holanda e a Bélgica. No capítulo dos apetrechamentos tecnológicos e simplificação administrativa, Portugal continua a dar bons exemplos, como no da implementação a nível europeu da Janela Única Logística ou da Factura Única Portuária por escala de navio, que já avançou em Sines.
Se os portos nacionais têm saído bem na fotografia, os seus agentes económicos assumem agora o perigo desse retrato começar a ficar desfocado, sobretudo se não avançarem os investimentos que, tanto no sector público como no sector privado, estão já identificados, estudados, definidos, priorizados. E o conflito laboral que se arrasta há anos no Porto de Lisboa, que esta semana voltou a enfrentar as paralisações promovidas pelo Sindicato dos Estivadores, só tornam as coisas piores. Há carga que é desviada para Sines e para Leixões (Setúbal é a paragem mais óbvia, mas o pré-aviso de greve também abrange este porto e o da Figueira da Foz), mas há outra que pode sair para outros países.
O momento é “crucial”, como admite Marina Ferreira, presidente da Administração do Porto de Lisboa e que, neste momento, assume a presidência rotativa da Associação de Portos de Portugal (APP). Em vésperas de abrir o terceiro jogo de eclusas no Panamá, que pode vir a desenhar uma nova fase de oportunidades nas rotas mundiais do shipping, Portugal “terá se preparar-se para as possíveis oportunidades na ligação Ásia-Europa”, diz Marina Ferreira.
Também João Carvalho, presidente da Autoridade para a Mobilidade e Transportes (AMT), a entidade reguladora do sector, sublinha a oportunidade de crescimento para os portos nacionais que o alargamento do canal do Panamá traz. “Portugal tem uma situação geográfica privilegiada por estar no cruzamento das principais rotas de tráfego marítimo intercontinental Norte-Sul e Oeste-Este, interligando a Europa à América, África e Extremo Oriente, ainda que em mega concorrência com as outras regiões localizadas na fachada Atlântica da Europa”, sublinha.
O problema é, pois, a “mega concorrência” que referiu João Carvalho. E se há países e estruturas internacionais que se estão a preparar – a Puertos del Estado, holding dos portos espanhóis esteve na mais importante feira de logística da América do Sul, em São Paulo, e segundo a imprensa espanhola assumiu que queria ganhar quota aos portos portugueses – Portugal continua em compasso de espera.
A "falta de decisão política"
Já não há decisões desde que o anterior Governo liderado por Pedro passos Coelho se empenhou, à boleia das recomendações da já referida troika, em estudar o sector portuário e em reavaliar as concessões que existem nos portos, e desde que a Autoridade da Concorrência apresentou as primeiras conclusões num relatório preliminar que foi muito contestado, tanto por operadores, como pelas administrações portuárias. Só a renegociação com a concessionária do terminal de contentores de Sines foi concluída e assinada, mas também aqui a PSA, que explora o Terminal XXI, já demonstrou a necessidade de ampliar a capacidade do porto.
O que está a condicionar tudo é a “falta de decisão política” a que se referiu o presidente da Comunidade Portuária de Leixões, Vieira dos Santos, numa intervenção em que lembrou que “já toda a gente sabe o que é preciso ser feito” - no caso de Leixões, aumentar as dragagens para permitir uma profundidade de cais até aos 14 metros, para receber navios de maior porte, e expandir o terminal sul de contentores.
Vieira dos Santos garantiu que também havia dinheiro para investir, pelo menos do lado dos privados, já que são os operadores que fazem os investimentos nos equipamentos necessários à movimentação de cargas, nos sistemas de informação e segurança e nas questões de impactos ambientais. Esta é uma indústria de capital intensivo, em que uma nova grua para tirar contentores de um navio pode custar cerca de cinco milhões de euros.
A competitividade dos portos nacionais fica em risco se não avançar o novo ciclo de investimentos? A presidente da Associação de Portos diz que sim. “Dadas as características mais pesadas do sector portuário, quer em termos de montantes envolvidos nos investimentos, quer em termos do tempo necessário para a respectiva implementação, é necessário que seja feito um planeamento atempado e que a execução dos projectos não se arraste indefinidamente”, apela.
À mesma pergunta, a ministra do Mar, Ana Paula Vitorino responde que não, porque a competitividade dos portos não se resume a obras públicas. “Os nossos portos têm capacidade técnica, humana e logística para assumirem um lugar de destaque no ranking da competitividade mundial”, reage a ministra, acrescentando que as obras públicas exigem “estudo, ponderação e a capacidade para ouvir as comunidades portuárias”. “É isso que tenho vindo a fazer”, garante a ministra, adiantando que até ao final do primeiro semestre “serão tomadas todas as decisões em matéria de ampliações portuárias”, nomeadamente para os portos de Sines e Leixões. “Creio que tanto num caso como noutro é por demais evidente a necessidade de ampliação”, afirmou Ana Paula Vitorino.
Estudar antes de agir
As decisões que a ministra terá de tomar prendem-se não apenas com os investimentos que as administrações portuárias (o sector público) deverão protagonizar, mas também com as relativas aos investimentos privados, discutindo com os concessionários as ampliação ou não dos respectivos prazos de concessão. Os operadores consideram a ampliação fundamental para remunerar os investimentos, e dão o exemplo de Espanha, que alargou os prazos máximos previstos na lei, que era de 35 anos (em Portugal o limite máximo é 30 anos) para os 50 e até para os 75. Uma das posições que a Autoridade da Concorrência tomou nas suas recomendações preliminares foi a necessidade de encurtar as concessões e trazê-las o mais rápido possível para o mercado concorrencial.
Ana Paula Vitorino recorda que Portugal já se encontra bem dotado de vários tipos de infra-estruturas “e que a competitividade do país requer que o investimento seja seleccionado, criterioso e apontado aos factores críticos de sucesso”. No caso dos investimentos no sector portuário, o governo articula-os sempre com as acessibilidades ferroviárias. “O Governo está a trabalhar num plano de aumento da capacidade das infra-estruturas portuárias, bem como de ligações ferroviárias aos hinterlands europeus, com prioridade para a ligação do Porto de Sines à rede ferroviária”, recorda a Ministra.
No âmbito do Programa Nacional de Reformas, onde surge pela primeira vez mencionado um Plano Portuário 2020, é elencada uma verba de 95,7 milhões de euros para “modernização dos portos nacionais e melhoria nas acessibilidades marítimas contribuindo para a competitividade económica de Portugal, nomeadamente na alavancagem das exportações”. E refere que o lançamento de concursos para projectos e obras vai ser feito entre 2016 e 2017.