Antes da resolução, Jorge Tomé acusou BdP de tornar Banif inviável
O Banco de Portugal demorou mais de três meses a conceder o registo de idoneidade aos gestores do Banif. Um dia depois de Jorge Tomé informar o actual Governo do impasse, o supervisor emitiu parecer positivo.
Onze dias antes da venda e da resolução do Banif, o ex-presidente do banco, Jorge Tomé, escreveu ao Banco de Portugal (BdP) a acusar o supervisor de com as suas acções estar a “descredibilizar” e a “fragilizar” a instituição, pondo em causa a sua viabilidade. E, na sequência, admitiu renunciar ao cargo “por não lhe estar a ser dado o nível de confiança que deve merecer do BdP”.
Numa carta enviada a 9 de Dezembro ao governador do banco central, Carlos Costa, com conhecimento do ministro das Finanças Mário Centeno (nomeado a 26 de Novembro), Jorge Tomé evoca que “tem vindo a ser confrontado com inesperadas adversidades por parte do supervisor”, especialmente “por falta ou demora de resposta” ou “por imposição de medidas cuja razoabilidade não pode deixar de ser colocada em causa”.
E uma delas prendia-se com o facto de a maioria dos membros dos órgãos sociais do Banif, conselho de administração (liderado por Luís Amado) e comissão executiva, eleitos em assembleia geral a 26 de Agosto de 2015, terem estado quase três meses e meio à espera que o BdP se pronunciasse sobre a sua idoneidade para o exercício de cargos sociais.
“Há 105 dias que o Banif se encontra em actividade com uma comissão executiva de apenas dois elementos (dos cinco nomeados)” e um conselho de administração com 4 administradores (dos 9 nomeados) em “efectividade de funções”. A ausência de resposta de Carlos Costa, que será ouvido nesta terça-feira no Parlamento, foi interpretada por Tomé como visando “fragilizar a autoridade” da gestão e minar a sua “legitimidade” perante “a própria estrutura orgânica” do banco. Um dia depois, a 10 de Dezembro, o BdP emitia o registo de idoneidade aos gestores nomeados, por exemplo, aos ex-executivos Carlos Firme e Nunes Martins.
O compasso de espera ao nível da gestão é classificado pelo ex-banqueiro de inaceitável e de gerador de instabilidade no Banif, um banco estatal, onde o Estado arriscava perder verbas de 850 milhões (dos 1100 milhões injectados a 31 de Dezembro de 2012). E "por considerar que não lhe está a ser dado o nível de confiança que deve merecer" por parte de Carlos Costa, Tomé admite que "não poderá continuar em funções".
Este foi apenas um episódio de vários relatados na carta de 9 de Dezembro e que contribuíram para as dúvidas que se estavam a levantar sobre as reais intenções do BdP. Isto dado que a equipa de Carlos Costa começara de “forma imprevista” a “colocar em causa todo o trabalho que vinha sendo articulado” entre o banco, as Finanças e o supervisor, com vista à "apresentação à DG Comp (Direcção-Geral de Concorrência Europeia) de uma solução de rentabilidade e capitalização para o Banif a partir de 2016”.
E a partir do último trimestre de 2015, lê-se, o BdP não só adiou deliberações, como não deu resposta a problemas que necessitavam de solução imediata. E a 17 de Novembro surgiu ainda com imposições prudenciais que não se previam e que contrariavam as avaliações dos auditores (a PwC) escolhidos por Carlos Costa (e pagos pelo Banif), para além "de colocarem em causa a credibilidade das contas de Setembro de 2015", entretanto já divulgadas ao mercado com a chancela do supervisor. E onde o banco revelou lucros pela primeira vez desde a nacionalização, no valor de seis milhões.
Uma das alterações pedidas pelo BdP prendia-se com a necessidade de um reforço adicional de imparidades de 177 milhões que iria colocar ao Banif “um inesperado e injustificado problema imediato de rácio de solvabilidade”, que ficaria abaixo do limite mínimo de 8%. O que não era indiferente. O não cumprimento do rácio era uma condição para o banco central decretar a resolução do banco – que desde o Verão já estava a ser programada nos bastidores do BdP.
O ex-administrador do BdP, António Varela, que na semana passada esteve na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) à venda e resolução do Banif, confirmou que em Abril de 2015 começou a preparar um plano de resolução do Banif (criação de um banco de transição para venda) que finalizou em Junho, altura em que arrancaram os contactos com o Santander para a alienação da instituição (o que se viria mesmo a verificar a 20 de Dezembro por imposição da DG Comp). Varela esteve na CPI na dupla qualidade de ex-administrador do Banif em representação do Estado, entre Janeiro de 2013 e o Verão de 2014, e de ex-administrador do BdP, até Março deste ano.
Em síntese: ao mesmo tempo que o grau de exigências do BdP crescia, que o plano de resolução estava concluído, os emissários de Carlos Costa nas negociações com a Direcção Geral de Concorrência Europeia iam a Bruxelas defender a reestruturação, o que aconteceu numa reunião em Outubro. E a gestão do Banif avançava com um concurso público de venda do banco, a que concorreu o Santander (que já tinha o negócio acordado).
Independentemente da razão de cada um dos protagonistas, há um juízo que se pode fazer: a condução do processo, que envolveu um pequeno banco com 4% de quota de mercado, não correu bem. E teve como desfecho perdas para os contribuintes de pelo menos 3000 milhões de euros. E um lucro para o Santander (que comprou a parte sem problemas do Banif) entre 500 milhões e mil milhões.
Nesta terça-feira, Carlos Costa terá oportunidade de esclarecer todas estas dúvidas e incongruências quando estiver perante os deputados da CPI. No dia seguinte, quarta-feira, será a vez da ex-ministra das Finanças Maria Luís Albuquerque, agora deputada do PSD, a que se seguirá a audição de Mário Centeno, que tem actualmente esta pasta no Governo PS.