Marques dos Santos: solução de Bruxelas de transformar o Banif num banco da Madeira era um disparate
Em Dezembro de 2012 o Banif recebeu fundos estatais de 1100 milhões, mais 700 milhões dos que eram admitidos por Marques dos Santos.
A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) à intervenção (a 31 de Dezembro de 2012) e à venda (três anos depois) do Banif acaba de arrancar com a audição a Joaquim Marques dos Santos que presidiu à instituição até Março de 2012, quando foi substituido por Jorge Tomé (que estará em São Bento esta tarde). Marques dos Santos, o primeiro convocado, assumiu funções de presidente executivo no final de 2010 depois da morte de Horácio Roque.
Antes da intervenção de Marques dos Santos, o presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), o comunista António Filipe, revelou que o ex-ministro das Finanças, Vítor Gaspar, mostrou disponibilidade para prestar declarações no âmbito desta comissão, mas como está a viver na capital norte-americana explicou que não será fácil fazê-lo presencialmente, mas através de depoimento escrito, à semelhança, aliás, do que já tinha feito na CPI ao BES-GES.
Antes de começar a responder às questões dos deputados, Marques dos Santos explicou que quando saiu do Banif não levou consigo nenhuma documentação o que poderá constituir um constrangimento aos seus esclarecimentos. O PSD, enquanto maior grupo parlamentar, iniciou a primeira (de três) rondas de perguntas.
"O banco cresceu em 2008, quando fizemos uma mudança da imagem do banco", começou por contar Marques dos Santos, explicando que a actividade do Banif era programada. "Na base da elaboração dos orçamentos do banco tínhamos o enquadramento do Orçamento do Estado" e as perspectivas de crescimento da economia internacional, relatou. Quando inquirido pela deputada do PSD Margarida Mano sobre o crescimento do Banif, na área do crédito e de exposição a partes relacionadas (e aumento das imparidades relacionadas com os accionistas, a Rentipar), o ex-presidente avançou que "o clima que se vivia no sector, e apesar da crise de subprime, não teve grande repercussão na banca portuguesa e todos estávamos a crescer". E sublinhou que toda a actividade bancária tem na sua base "um risco". Sobre o resultado das auditorias forenses ao Banif, que revelaram a existência de uma carteira de crédito de risco elevada e de várias irregularidades, disse que não conhece os relatórios do BdP "nem as auditorias forenses e nunca fui ouvido pelo Banco de Portugal."
"Relativamente às contas de 2011, não foi o meu Conselho de Administração que fechou as contas de 2011, mas o CA seguinte [liderado por Jorge Tomé], o que resultou de uma exigência do Banco de Portugal (BdP)." Em 2011, o Banif apresentou prejuízos de 86,7 milhões de euros. Inquirido sobre a resolução do Banif foi sintético: "Surpreendeu-me."
Por sua vez, Brilhante Dias, do PS, procurou saber o que levou Marques dos Santos a defender em 2011 a capitalização do Banif: "Em Fevereiro de 2012, o Banif tinha uma necessidade de capitalização até 400 milhões". Brilhante Dias lembra um relatório do BdP a confirmar que o Banif necessitava de "420 milhões de euros de capitalização, mas quando chegou ao final do ano foram necessários 1100 milhões." Como explica a diferença de 700 milhões em relação ao valor injectado pelo Estado 10 meses depois (1100 milhões)? "Não sei explicar."
Remessas dos emigrantes nas ilhas Caimão
Em resposta à deputada Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda, Marques dos Santos avançou que nos primeiros aumentos de capital do Banif, na década de 1980, o Estado participou, mas depois estes foram feitos por subscrição pública, ainda que Horácio Roque tivesse como preocupação controlar o banco, o que fazia por via directa e indirecta. E tinha mais de 50%. Quanto à Rentipar financeira, a empresa que dominava o Banif, era fiscalizada pelo BdP.
O racional da abertura da operação nas Ilhas Caimão "foi para domiciliar as remessas dos emigrantes que não queriam utilizar o banco no continente, e houve necessidade de ter uma local onde os depósitos dos emigrantes pudessem ser domiciliados." E, "havia também operações de crédito a não residentes" e "operações do Brasil que transitavam por Caimão, operações de exportação que podem ser domiciliadas em qualquer local".
Mariana Mortágua perguntou ao ex-presidente se era necessário oferecer produtos em Caimão. "Quem escolhe não é o banco, são os emigrantes, havia quem preferisse fazer operações através da zona franca da Madeira por razões fiscais." E assegura que o Banif nunca se financiou por esses canais.
"O Brasil sempre teve situações anómalas e a história ainda está por fazer, mas houve problemas" que Marques dos Santos imputou à "Comissão Executiva (CE) residente e que o Banco do Brasil veio a detectar mais tarde e que culminou num processo" do qual, alega, ter sido envolvido, "por não ter reportado atempadamente". O ex-presidente admite que os prejuízos que daí decorreram podem ser inferiores aos que têm sido mencionados.
O que aconteceu no Brasil? "As operações correram mal no Brasil e ficaram por pagar, isto, porque a CE residente excedeu os seus poderes". "E para nós foi uma surpresa", garante, acrecsentando que Duarte de Almeira era o responsável pela área internacional. Relativamente às referências que associam o Banif à Operação Lava-Jato (como revela o Expresso de sábado passado), o ex- CEO admite que conheceu Allan Toledo, enquanto vice-presidente do Banco do Brasil, mas não sabia da ligação ao Banif Brasil. No Verão de 2015, Toledo foi detido para interrogatório pela polícia brasileira no âmbito do Lava-Jato. Marques dos Santos disse ainda que sabe da existência de contra-ordenações do supervisor bancário português, mas não de processos judiciais movidos no Brasil.
Ao responsável, a deputado do Bloco perguntou ainda como justifica o excesso de exposição da seguradora Açoreana ao Banif. Ao que Marques dos Santos explicou que os financiamentos à Rentipar nunca ultrapassaram os limites de 10% do capital próprio exigidos pelo BdP e reportados ao supervisor. Adiantou que sempre que os limites eram ultrapassados adoptavam-se medidas para evitar o impacto "negativo no capital próprio do banco". Mas esta era uma situação que gerava debate, pois o BdP considerava que os cálculos deviam incluir a exposição do Banif à Fundação Horácio Roque.
O BE pediu ainda explicações sobre a sociedade de investimento em infra-estruturas Finpro, que está neste momento insolvente – recorde-se que o Banif era também financiador desta socieade. Os créditos da Finpro, detida também por Américo Amorim e pelo Fundo da Segurança Social, passaram para a Oitante, o veículo que recebeu os activos tóxicos e ficou na esfera pública. Mas Marques dos Santos confessa que não pode comentar por não dispor de todas as informações.
A deputada do CDS, Cecília Meireles, não ficou esclarecida sobre matérias já abordadas e perguntou: "Quando se apercebeu que seria necessário que o Banif recorresse ao Estado para se capitalizar? Marques dos Santos explicou que os resultados dos testes de stress europeus concluíram que era necessário recapitalizar o Banif, o que foi tentado através de investidores privados, mas a morte de Horácio Roque, que "era a cara do grupo" inviabilizou esta possibilidade.
O BdP escreveu ao Banif em Abril de 2011 a revelar que a consultora PwC (contratada pelo BdP "provavelmente a pedido da troika", diz) iria fazer inspecções ao Banif ( e esteve na instituição até 2012), mas o ex-CEO refere que nunca participou nas reuniões e é taxativo: "Nunca vi nem os técnicos do BdP, nem os da troika." No entanto, tinha conhecimento que Pedro Duarte Neves, vice-governador do BdP, com o pelouro da supervisão, fazia um acompanhamento do Banif, o que culminou na indicação de que o banco necessitava de uma injecção de capital de 440 milhões. Marques dos Santos garante a Cecília Meireles que a viabilidade do Banif "nunca esteve em causa" .
Depois do CDS chega a vez do PCP, com o deputado Miguel Tiago a intervir: "Como se justifica a degradação financeira do Banif, em resultado do agravamento das imparidades?" A contabilização do valor das imparidades não é estática, explica Marques dos Santos, salientando que "a realidade dos devedores e a sua capacidade de pagar" é dinâmica.
O Banif estava falido observa Miguel Tiago, o que suscita uma reacção rápida do ex-CEO, que o interrompe: "Isso não é verdade." Marques dos Santos lembra, a seguir, que em Fevereiro de 2013 o BdP considerou que o banco tinha condições de reembolsar o capital do Estado, isto depois da instituição "ter sido radiografada muitas vezes e de várias posições" e a exposição do Banif ao principal accionista, a Rentipar estava controlada".
Interrogado por Miguel Tiago sobre a decisão do Banif dar por perdido um crédito concedido, na Madeira, à Fundação Social-Democrata, o ex-CEO diz que nada sabe. O deputado comunista volta a perguntar: "Dos 800 milhões de imparidades registadas desde 2010, qual é a parcela concedida na Madeira e qual a imputada ao grupo Rentipar?" Apesar de não dispor de todos os dados, Marques dos Santos alega que quase que pode garantir que "não haveria incumprimento". Sobre a concessão de crédito na Madeira admite que a partir de 2008 chegou a desaconselhar alguns créditos imobiliários dados na Madeira, ainda que a exposição do Banif ao sector imobiliário em geral "estava alinhada" com a quota de mercado do banco. Com esta resposta terminou a primeira ronda perguntas.
Negócio com a CGD
Mariana Mortágua quer saber por que razão os financiamentos concedidos a várias empresas como a Finpro ou a Rioforte, esta do GES, foram registados na rúbrica créditos a pequenas e médias empresas (PME), mas Marques dos Santos volta a garantir que não tem total conhecimento dos detalhes das operações de crédito em 2011 e 2012, período em que o nível de imparidades disparou. A deputada regressa ao tema do Brasil, agora sobre a venda à Caixa Geral de Depósitos (CGD) da corretora online detida pelo Banif no Brasil – um negócio que começou em 2010 e foi fechado em 2012 e que envolveu Jorge Tomé, na qualidade de administrador da CGD, antes de assumir funções no Banif.
A operação foi "claramente lucrativa” para o Banif, mas acabou por se revelar prejudicial para a CGD, que foi forçada a registar imparidades da ordem dos 60 milhões de euros. Mas em "2010 era claramente rentável e a venda resultou de uma necessidade de capitalizar o Banif”. Do lado do Banif, as negociações foram lideradas por Duarte de Almeida e do lado da CGD "Jorge Tomé participou".
Por seu turno, a deputada do CDS, Cecília Meireles, perguntou se o redimensionamento do banco passava pela presença apenas nas ilhas, uma solução avançada pela Direcção-Geral da Concorrência Europeia (DGCom), ao que Marques dos Santos respondeu: a solução de tornar o Banif um banco regional "nunca me foi colocada" mas "é um disparate". Já Miguel Tiago, do PCP, insistiu junto do ex-CEO sobre a evolução do negócio do crédito com agravamento dos prejuízos e que deterioraram os rácicos de capital e liquidez do Banif. Questionou ainda se Marques dos Santos entendia que os modelos de avaliação de riscos falharam. Mas este respondeu: "Não sei”.
Para fechar a sessão, o deputado do PS Eurico Brilhante Dias reforçou as perguntas sobre a "auditoria forense" desencadeada em 2013 pela Deloite (a quatro bancos: Banif, Montepio, BES e BCP) a pedido do Banco de Portugal e que ficou concluída a 11 de Abril de 2014. As inspecções abrangeram um conjunto de operações, nomeadamente, de crédito reportadas a anos anteriores, 2011, 2012, 2013, realizadas pelo Banif, ao que Marques dos Santos alega não ter tido conhecimento, nem nunca ter sido contactado para prestar esclarecimentos. Brilhante Dias quer saber ainda quais os empréstimos que foram concedidos, quando presidia à instituição, e cujas garantias reais não foram acauteladas, mas o ex-CEO repete que não tem condições para responder, mas garante que o BdP acompanhava em permanência o Banif. Brilhante Dias informa que o PS, com o apoio do PSD, pediu ao BdP o acesso à "auditoria forense da Deloite" sobre créditos em risco, exposição a partes relacionados e filiais no estrangeiro (no caso do Banif Brasil e Caimão).
A segunda sessão desta terça-feira começa às 15h e terá como protagonista Jorge Tomé, que presidiu ao Banif entre Março de 2012 e Dezembro de 2015, quando o banco foi resolvido.