CFP acusa Governo de não contar com reacção dos consumidores à subida de impostos

Proposta de OE tem “riscos importantes”, avisa o Conselho das Finanças Públicas, que pede a apresentação de uma estratégia mais coerente e clara em Abril.

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Daniel Rocha

Ao tentar reduzir o défice através do aumento de impostos sobre o consumo, o Governo está ser demasiado optimista nas previsões e a esquecer-se que taxas mais elevadas conduzem a uma retracção do consumo. O alerta foi feito nesta terça-feira pelo Conselho das Finanças Públicas (CFP) numa análise em que detecta a existência de “riscos importantes” na proposta de Orçamento do Estado (OE) actualmente em discussão na Assembleia da República.

São vários os indicadores em que a entidade liderada por Teodora Cardoso considera haver um excesso de optimismo da parte do Governo. E um das principais é no impacto que a decisão de aumentar alguns impostos indirectos pode realmente vir a ter ao nível da receita.

O CFP assinala que para este ano se prevê “um crescimento bastante significativo dos impostos indirectos (1858 milhões de euros) mas o impacto das medidas incidentes sobre esta rubrica ascende a 715 milhões de euros”. Em causa estão subidas nas taxas de impostos como os que incidem sobre o consumo de tabaco ou a aquisição de veículos automóveis. Decisões que foram tomadas pelo executivo no decorrer das negociações com Bruxelas por forma a apresentar um resultado para o défice mais favorável.

Para além do efeito directo das medidas, o Governo conta com a dinamização da actividade económica ao longo do ano para garantir o acréscimo de receita, mas o relatório do CFP considera que, ao aumentar as taxas em impostos, o executivo deveria levar mais em conta o efeito que isso provoca sobre o consumo. Na análise, alerta-se que “no caso dos impostos indirectos, não parece ser tida em conta a reacção previsível dos agentes económicos, de reduzir a quantidade procurada de bens sobre que incidem aumentos significativos da tributação”, avisando que este tipo de comportamento dos consumidores “implica um aumento de receita inferior ao que resultaria da simples aplicação da nova taxa à quantidade anteriormente transaccionada”.

O CFP não arrisca fazer as suas próprias contas em relação ao excesso de optimismo que detecta no Governo, mas, usando as mais recentes estimativas de receita fiscal feitas pela Comissão Europeia – e adaptando-as às últimas medidas do executivo de António Costa – estima que, só ao nível dos impostos indirectos, se verifica uma diferença face ao OE 2016 de 588 milhões de euros, ou seja, cerca de 0,3% do PIB.

As dúvidas em relação às medidas usadas pelo Governo para satisfazer as exigências da Comissão não são, no entanto, as únicas assinaladas pelo CFP. Cenário macroeconómico, medidas de contenção da despesa, previsões para vários impostos e controlo do investimento na administração local e regional, tudo é colocado em causa na análise ao OE.

Quando, em Janeiro, publicou o seu parecer ao esboço do OE, o CFP já tinha analisado as previsões do Governo para a economia, considerando-as bastante arriscadas. Em particular apontava-se para um excesso de optimismo em relação à evolução da procura externa numa conjuntura internacional muito incerta e para a não contabilização dos efeitos sobre a competitividade dos produtos portugueses devido à subida prevista para a inflação.

Agora, já com base na proposta final do Governo para o OE (que inclui as alterações negociadas com Bruxelas), o CFP continua a  dizer que as previsões do Governo para a economia mantêm riscos, apesar de reconhecer que estes estão agora “mitigados pelas alterações entretanto introduzidas”.

Assim, quando analisa a credibilidade das estimativas orçamentais, tanto do lado da receita como da despesa, o CFP vê no cenário macroeconómico em que se baseiam todas as contas do Governo um dos principais riscos, especialmente porque este é “particularmente relevante para fundamentar as previsões de receitas fiscais”.

Depois, do lado das despesas, também são elencadas muitas dúvidas. Num cenário de subida de despesas, motivada pela reversão dos cortes salariais ou pelo fim do congelamento das pensões, o CFP vê poucas razões no orçamento para acreditar que as medidas de poupança que o Governo apresenta como compensações resultem.

A entidade que vigia as contas públicas portuguesas diz que essas medidas “não se encontram suficientemente especificadas”, avisando que deveriam estar inseridas “num quadro plurianual que permita a realização de ganhos de eficiência, afastando a habitual avaliação de que melhorias de serviços implicam necessariamente mais meios em lugar da utilização mais eficiente dos meios existentes”.

Outra dúvida nas despesas está relacionada com as dotações que estão previstas para as prestações sociais, onde estão previstos “aumentos muito reduzidos relativamente a 2015, que não parecem em linha com medidas susceptíveis de explicar essa contenção”.

Ao nível do investimento, mais uma vez o CFP duvida da capacidade do Governo para cumprir as previsões de contenção feitas. Neste caso, é assinalado que o executivo quer acelerar a execução dos fundos comunitários do novo quadro comunitário, mas ao mesmo tempo prevê uma queda do investimento público em 2016, apenas aumentando no caso das administrações regional e local.

Ainda assim, no que diz respeito ao investimento das autarquias e dos governos regionais, lembra-se que existe a intenção do Governo de isentar essas entidades da regra da dívida no caso dos empréstimos a contrair para financiar projectos com financiamento comunitário, uma medida que o CFP diz poder ”acentuar riscos de desequilíbrio financeiro” das autarquias e governos regionais.

Independentemente destas dúvidas quanto à forma como vai evoluir a receita e a despesa, Teodora Cardoso e os seus pares assinalam que, mesmo que se cumpram as metas do Governo, isso não será suficiente para que Portugal faça aquilo que é suposto fazer em termos orçamentais, de acordo com as regras definidas a nível europeu.

Em particular, mesmo nas previsões governamentais, o défice estrutural volta, tal como aconteceu em 2015, a não registar a redução exigida. “Em contraste com o esforço em termos estruturais verificado em 2014, os anos de 2015 e 2016 apontam para um abrandamento desse esforço, ainda que atenuado pelo contributo favorável da despesa com juros”, diz o relatório. E o CFP deixa um aviso: “Assegurar o cumprimento das regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento, muito em particular a trajectória de ajustamento até atingir o Objectivo de Médio Prazo [que é de um défice estrutural igual ou inferior a 0,5%], determina a necessidade de apresentar um ajustamento orçamental dificilmente compatível com uma postura expansionista da política orçamental”.

É, juntando todas estas dúvidas, que o CFP acaba por concluir que a proposta de OE para 2016 “apresenta riscos importantes”. E pede ao Governo que, quando divulgar em Abril o Programa de Estabilidade, apresente “uma estratégia macro-orçamental coerente e clara quanto à natureza e timing das medidas a adoptar”. Só assim, defende, se poderá gerir os riscos do OE “e finalmente reduzi-los”.

Os riscos encontrados no OE

O Conselho das Finanças Públicas detecta a existência de riscos para as previsões do OE em diversas componentes da proposta do Governo. São estes os principais problemas assinalados pela entidade liderada por Teodora Cardoso:

Cenário macroeconómico – Apesar da revisão em baixa feita na versão final do OE, o CFP diz que o Governo continua a ser demasiado optimista em relação ao andamento da economia, especialmente no que diz respeito à procura proveniente do exterior. Isso pode ter impactos significativos na receita e na despesa da administração pública.

Receita fiscal – A principal preocupação do CFP está nos impostos indirectos, a que o Governo pretende dar um peso bastante maior no total da receita do Estado. Ao nível dos impostos especiais sobre o consumo, o risco está em não levar em conta que uma subida das taxas pode conduzir a uma retracção dos consumidores. No IVA, se se retirar o efeito da descida da taxa de IVA aplicada na restauração, o aumento estimado para a receita é superior ao crescimento projectado para o consumo, diz o relatório.

Contenção da despesa – O CFP diz que as medidas anunciadas pelo Governo para controlar o aumento da despesa pública não se encontram suficientemente especificadas, o que cria o risco de se assistir a uma divergência entre a estimativa feita no OE e a execução orçamental. Um destes casos está nas prestações sociais, cujas taxas de crescimento reduzidas causam estranheza.

Investimento – O CFP desconfia das previsões do Governo, que apontam para uma redução do investimento público, porque em simultâneo o executivo tem como meta uma aceleração da execução dos fundos comunitários. E no caso do investimento feito pelas autarquias e os governos regionais, assinala-se que existe o risco de derrapagem se for levada em frente a intenção de excluir os empréstimos a contrair para financiar projectos com financiamento comunitário da aplicação da regra da dívida nessas entidades.

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