Apesar do ditador, Europa “pragmática” levanta sanções à Bielorrússia
Pequenos progressos justificam fim da maioria das restrições aplicadas ao regime de Lukashenko. As preocupações geopolíticas falaram mais alto.
A União Europeia anunciou oficialmente o levantamento da maioria das sanções aplicadas à Bielorrússia, saudando a libertação de presos políticos e a forma pacífica como decorreram as últimas eleições presidenciais.
Os chefes da diplomacia europeia já tinham acordado na semana passada em não estender o congelamento de bens e a proibição de viagens de 170 personalidades ligadas ao regime de Alexander Lukashenko, incluindo o próprio Presidente bielorrusso. Também foram levantadas as restrições impostas a três empresas do sector da defesa.
Os Vinte e Oito concordaram, porém, em manter um embargo à comercialização de armamento e as sanções contra quatro membros dos serviços de segurança do Presidente, que a UE responsabiliza pelo desaparecimento de dois políticos da oposição, um empresário e um jornalista.
A decisão dá sequência à suspensão temporária destas medidas, anunciada em Outubro, logo após as eleições presidenciais, que Bruxelas elogiou pelo “ambiente livre de violência”. A libertação de seis presos políticos em Agosto foi outro dos progressos notados pela UE, bem como o “papel construtivo na região”, numa clara referência ao papel de mediador nas negociações de paz do conflito no Leste ucraniano, que Lukashenko chamou a si.
O fim das sanções é visto como “uma experiência”, disse o ministro dos Negócios Estrangeiros polaco, Witold Waszczykowski. Bruxelas reconhece que há um longo caminho para ser feito, sobretudo no que respeita aos direitos humanos e políticos. É exigida a aplicação de uma moratória à pena de morte, o aprofundamento das liberdades de associação e reunião e as autoridades bielorrussas são instadas a “acabar com os obstáculos ao exercício de uma imprensa livre e independente”. As eleições parlamentares de Setembro serão o primeiro grande teste a este caderno de encargos.
Pragmatismo europeu
Em Outubro, Alexander Lukashenko, no poder desde 1994, conquistou um quinto mandato com 83% dos votos – um recorde pessoal daquele que foi denominado pela ex-secretária de Estado norte-americana Condoleezza Rice como “o último ditador da Europa”. A Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) sublinhou o ambiente pacífico durante a campanha e no dia das eleições – em contraste com as presidenciais de 2010 marcadas pela detenção da maioria dos candidatos e de centenas de jornalistas e activistas. Porém, os observadores verificaram “problemas significativos, particularmente durante a contagem dos votos e a divulgação dos resultados eleitorais, que debilitaram a integridade das eleições”.
O panorama descrito pelas Nações Unidas mostra que, por outro lado, a situação dos direitos humanos na Bielorrússia permanece crítica. “Nos últimos quatro meses, nenhuma mudança foi iniciada na Bielorrússia para alterar as práticas e leis opressivas, enquanto vários casos de novas violações de direitos básicos vieram ao de cima”, denunciou no início do mês o representante do Conselho para os Direitos Humanos da ONU, Miklós Haraszti.
Na verdade, as avaliações da ONU e da UE não apresentam grandes divergências de conteúdo. Ambas sublinham a mudança positiva no ambiente pacífico da última eleição e ambas referem os abusos que permanecem. A linguagem mais positiva adoptada por Bruxelas – e o consequente voto de confiança reflectido no fim das sanções – demonstra sobretudo uma preocupação geopolítica, nota a generalidade dos analistas.
“O ‘pragmatismo’ redescoberto pela UE é a reacção a uma situação em mudança”, escreve Arkadi Moshes, do Instituto Finlandês de Relações Internacionais. Há várias razões para que Bruxelas promova uma aproximação a Minsk, mesmo se para isso tiver de desvalorizar algumas práticas menos democráticas do regime de Lukashenko. Entre elas está uma possível janela de oportunidade para afastar o país da esfera de influência de Moscovo, pelo menos de acordo com o entendimento das diplomacias europeias.
Desde o estalar da crise ucraniana que Lukashenko se predispôs a funcionar como um mediador entre a Rússia e a UE, em vez de apenas se deixar guiar pela política externa de Moscovo – em parte, especula a Foreign Policy, para garantir que uma intervenção semelhante à que ocorreu no Leste da Ucrânia não sucede na Bielorrússia, que tem uma população de russos étnicos superior a 8% e de falantes de 70%.
As autoridades bielorrussas terão também interesse em depender economicamente menos da Rússia, que lida actualmente com uma crise económica profunda. A melhoria das relações diplomáticas com as capitais europeias deve facilitar as negociações em curso com o Fundo Monetário Internacional, bem como abrir caminho a investimentos do Banco Europeu de Investimentos e do Banco Europeu para a Reconstrução e Desenvolvimento.
Minsk não esquece, contudo, a grande interdependência – económica e diplomática – estabelecida com o seu gigante vizinho. Cerca de 40% das suas exportações têm a Rússia como destino e estima-se que desde os anos 1990 que o país tenha recebido cerca de 50 mil milhões de dólares em empréstimos – um papel que “a UE não tem interesse nem capacidade” em desempenhar, observa Arkadi Moshes.
No plano diplomático, a Rússia tem planos para a construção de uma base militar permanente em território bielorrusso. Lukashenko não tem escondido as suas reservas em relação a esta matéria, mas tem também sabido utilizá-la a seu favor nas negociações a leste e a ocidente. “Apesar de a Bielorrússia até agora ter optado por comprar jactos de guerra, em vez de abrir uma base aérea, Minsk sugeriu que um envio substancial de tropas e veículos da NATO para perto do seu território podem levar a reconsiderar a questão”, escreve a agência de análise militar norte-americana Stratfor num relatório recente.
Este tipo de postura maleável tem sido recorrente na relação de Lukashenko com a UE e lembra a aproximação verificada no final da primeira década deste século. A repressão pós-eleições de 2010 acabaria por matar esse optimismo e Bruxelas estendeu as sanções que agora levantou. Desta vez, as ilusões de uma democratização acelerada parecem ter sido afastadas. A estratégia da UE, conclui Moshes, assenta na ideia de que, “interagindo com a burocracia estatal bielorrussa, uma socialização gradual e uma crescente compatibilidade com a Europa, pelo menos a um nível tecnocrata, podem ser alcançadas”.
De olhos no futuro, a investigadora do Centro de Investigação em Ciência Política da Universidade do Minho, Alena Vieira, diz ao PÚBLICO por email, que "não existem razões para esperar mudanças fundamentais no desenvolvimento político da Bielorrússia". Para além da manutenção do apoio da maioria da população, há uma oposição política "fragmentada". Mas a também professora na Universidade de Coimbra sublinha que "uma espécie de backlash interno radical na Bielorrússia não será tolerado" pela UE, pelo que as sanções podem regressar.
Artigo actualizado às 18h42: Foram acrescentados os comentários da professora Alena Vieira.