Unicef encontrou crianças subnutridas e morte num hospital de Madaya

Um adolescente morreu à fome durante a visita da organização a uma clínica improvisada na cidade cercada. "Em toda a Síria há 14 outras ‘Madayas’", alerta representante.

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Soldado num posto de controlo vigia os habitantes de Madaya que esperavam os camiões com ajuda Louai Beshara/AFP

É sombrio o relato que a Unicef trouxe de Madaya, a cidade síria onde a ajuda chegou finalmente esta semana, ao fim de seis meses de cerco total. Num hospital improvisado, onde os únicos dois médicos trabalham em “condições esmagadoras”, os representantes do Fundo para a Infância das Nações Unidas, encontraram 28 crianças em situação de “malnutrição grave ou moderada” e dois adolescentes esqueléticos, um dos quais acabou por morrer diante dos seus olhos.

O testemunho chegou um dia depois de uma segunda coluna de camiões ter entrado em Madaya, a apenas 40 quilómetros de Damasco, no âmbito de um acordo com o regime sírio, que mantém cercada a cidade controlada por grupos rebeldes. A primeira remessa tinha chegado três dias antes e quer os representantes da Cruz Vermelha quer da ONU garantiram que o que ali viram “não tem comparação” com nenhum outro lugar da Síria. Nesta quinta-feira, representantes da Unicef e da Organização Mundial de Saúde (OMS) acompanharam a caravana de camiões e confirmaram uma vez mais que não eram exagerados os relatos feitos nas últimas semanas por médicos e activistas locais.

“As nossas equipas conseguiram examinar 350 pessoas e muitas sofriam de malnutrição grave”, contou Rana Sidani, responsável regional da OMS, ao anunciar que uma clínica móvel foi enviada nesta sexta-feira para Madaya, juntamente com uma equipa médica, para auxiliar o que resta dos serviços de saúde a tratar os casos mais urgentes.

Das 42 mil pessoas que sobrevivem na cidade, metade têm menos de 18 anos e o que a Unicef viu no dispensário que visitou na tarde de quinta-feira é alarmante. As equipas observaram 25 crianças com menos de cinco anos de idade e concluíram que apenas três não sofriam de malnutrição moderada ou grave. Outros seis menores, com idades entre os seis e os 18 anos, observados estavam também gravemente subnutridos. “Apesar de os dados observados nesta missão não serem uma amostra representativa, nem daí se poderem extraídas conclusões sobre a situação geral, fornecem um reflexo em tempo real da situação no terreno”, lê-se num comunicado da organização.

A dimensão da fome

Um retrato que um triste acaso tornou ainda mais sombrio. “Levaram-nos para uma cave e vimos dois adolescentes que partilhavam a mesma cama”, contou à AFP Hanaa Singer, representante da Unicef na Síria, explicando que os dois rapazes estavam “esqueléticos”. Quando a médica da equipa se aproximou para observar um deles, de nome Ali, deixou de lhe sentir a pulsação. “Tentou reanimá-lo. Uma, duas, três vezes e depois olhou para mim e disse simplesmente: ‘ele partiu’. Em seguida fechou-lhe os olhos.” A família de Ali, ali ao lado, não tinha forças sequer para exprimir a sua tristeza. “Choravam em silêncio, desesperados.”

As crianças subnutridas estão a ser tratadas com medicamentos e suplementos enviados pela ONU e Singer espera que um novo carregamento possa entrar em Madaya já no próximo domingo. Mas diz que aquilo que viu na cidade “é simplesmente inaceitável em pleno século XXI” e não pode ser resolvido apenas com envios pontuais de ajuda.

“O que se sente é a dimensão da fome. Todas as pessoas a quem perguntámos respondem-nos que sobrevivem com um pouco de água, especiarias, folhas e ervas”, explica. “As crianças mendigam um bocado de pão e algumas vêm e pedem desculpa por nos estarem a pedir uma e outra vez”. “'Desculpem-nos muito', dizem.”

Numa conferência de imprensa em Genebra, a porta-voz do Programa Alimentar Mundial (PAM) deu conta de relatos de activistas locais, segundo os quais 32 pessoas morreram à fome nos últimos 30 dias. A organização não confirma este balanço, mas conta que um dos seus especialistas disse não ter dúvidas que “a situação nutricional é muito má” com a população adulta a dar sinais de “grande magreza”.

O Conselho de Segurança reúne-se nesta sexta-feira para exigir o fim de todos os cercos a populações civis na Síria, um dia depois de o secretário-geral, Ban Ki-moon, ter acusado os beligerantes de cometerem “actos atrozes” sob a população. A ONU fala em 15 cidades e vilas cercadas em toda a Síria – pelo Exército, pelos rebeldes sírios e pelos jihadistas do Estado Islâmico –, calculando que haja perto de 450 mil pessoas em privação. Entre elas estão seis mil crianças que vivem em Foah e Kafraya, aldeias xiitas na fronteira com o Líbano cercadas pelos rebeldes sírios, às quais a ajuda está a chegar ao mesmo ritmo de conta-gotas de Madaya. “Apesar do nosso choque com a situação em Madaya não nos podemos esquecer que em toda a Síria há 14 outras ‘Madayas’”, a precisar igualmente de ajuda, lembrou Hanaa Singer.

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