Presidente do Congresso é do PSOE, quem vai liderar Espanha ainda ninguém sabe

Rajoy quer um governo de minoria com apoio dos Cidadãos e do PSOE. Líder socialista insiste que pode formar uma maioria de esquerda, mas começa mal nas negociações com o Podemos.

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Iglesias com o bebé de Carolina Bescansa Juan Medina/Reuters

Um acordo entre o PSOE e o partido centrista Cidadãos permitiu eleger o veterano socialista basco Patxi López presidente do Congresso dos Deputados, a câmara baixa do Parlamento espanhol. É a primeira vez na História da democracia espanhola que o líder do Congresso não pertence à força mais votada – o PP venceu as legislativas de 20 de Dezembro, com 123 deputados no hemiciclo de 350 –, mas esta é uma legislatura repleta de factos inéditos.

Para eleger López, os 40 deputados do Cidadãos votaram a favor (somando-se aos 90 do PSOE); os do PP abstiveram-se. A imprensa deu por certo que o líder socialista, Pedro Sánchez, negociara com ambos, mas ao final do dia este garantiu que só conversou com o Cidadãos. “Não negociámos com mais nenhum outro grupo e se o PP não apresentou candidato foi por saber que não o conseguiria eleger”, afirmou.

Fora deste primeiro acordo pós-eleições ficou o Podemos, a terceira força mais votada, com 69 eleitos. O partido de Pablo Iglesias decidiu, por isso, apresentar a sua própria candidata, Carolina Bescansa, que conseguiu 71 votos, os do seu partido mais os dois dos eleitos da Esquerda Unida.

Sánchez recusou a exigência de Iglesias, que queria o apoio dos socialistas para a formação de quatro grupos parlamentares independentes, o do próprio Podemos e os das coligações que concorreram com o seu apoio (Compromís-Podemos, de Valência; En Marea, da Galiza; e En Comú Podem, da Catalunha). O PSOE considera que esta divisão “não é permitida do regulamento do Congresso”.

Ao ficar de fora do acordo, o Podemos ficou à margem das negociações para a Mesa do Senado, onde o PP terá quatro membros e o PSOE ocupou dois e cedeu o seu terceiro ao Partido Nacionalista Basco, um lugar que seria naturalmente para o partido de Iglesias.

“Os espanhóis votaram mudança, mas também diálogo”, disse Albert Rivera, líder do Cidadãos, para justificar o voto dos seus deputados em Patxi López.

No seu discurso, o basco pediu “diálogo e entendimento”, “a autonomia da política e da vida cidadã” e o respeito pelas “ideologias e políticas diferentes, assim como as diferentes formas de defender a identidade da Espanha”. López disse que o Congresso deve ser reflexo da diversidade e da pluralidade do país, “para que as diferenças não sejam marginalizadas”, e usou palavras nas várias línguas co-oficiais.

As legislativas de Dezembro foram as primeiras eleições nacionais que contaram com o Podemos e o Cidadãos. O primeiro nasceu há dois anos; o segundo foi criado como partido catalão e concorreu pela primeira vez como força nacional nas europeias de 2014. Ora, estes partidos são agora a terceira e a quarta-força no Congresso, que conta ainda, como habitualmente, com uma série de pequenos grupos de formações nacionalistas, do País Basco às Canárias.

Acordo para quatro anos

Antes da abertura da primeira sessão da nova legislatura, o primeiro-ministro em funções, Mariano Rajoy, defendeu que a fórmula usada para eleger López “vai na direcção certa” do que deveria ser o resto da legislatura. “As coisas mudaram e o pior que pode acontecer é não nos darmos conta do que querem os cidadãos”, disse Rajoy, depois de um encontro com o seu grupo parlamentar. O chefe da direita espanhola insistiu que Espanha precisa de “grandes acordo sobre os grandes temas que durem quatro anos”, sugerindo que quer garantir o apoio do PSOE a um governo minoritário da direita.

Quase em simultâneo, Sánchez insistia que o país pediu mudança nas urnas. “O PSOE vai tentar liderar esse governo. Os eleitores do Podemos não perdoariam a Pablo Iglesias que não apoiasse a agenda social de que os espanhóis necessitam”, afirmou. Entre o seu partido e o de Iglesias, assegura, “há muitos espaços comuns” para um entendimento, das políticas sociais à regeneração democrática.

Iglesias acusou Sánchez de “já ter escolhido” apoiar “um governo de grande coligação”. “Não confio no que o PSOE diga. No momento de decidir, quase sempre se põe ao lado do PP”, afirmou. Iglesias referiu-se até ao discurso do novo líder do Congresso, dizendo que López “repetiu palavra por palavra coisas que o Podemos já disse, o problema não é o que dizem [os socialistas], é o que fazem”.

Mas o líder do Podemos não quis fechar a porta a acordos com o PSOE, apesar da formulação dura com que se expressou: “O fundamental em política não é confiar. Nós estamos aqui rodeados de pessoas nas quais não se pode confiar (…). Não estamos aqui para confiar em ninguém, estamos aqui porque as pessoas nos puseram cá para dar a cara por elas.”

Este é o Congresso com mais recém-chegados de sempre – 62% dos eleitos ocupa o lugar pela primeira vez – e também aquele em que há mais mulheres, com 40% de deputadas. Iglesias descreveu “um dia emocionante, um hemiciclo com gente que se veste como as pessoas do nosso país, que fala a linguagem das pessoas do nosso país”.

Fórmulas e um bebé

Os deputados do Podemos protagonizaram alguns momentos polémicos, incluindo a fórmulas usada na tomada de posse. “Prometo acatar a Constituição e trabalhar para mudá-la. Nunca mais um país sem a sua gente e os seus povos”, foi a formulação. Deputados do PP protestaram, não deixando ouvir as declarações de todos os eleitos do Podemos.

A outra polémica do dia foi a decisão de Carolina Bescansa levar o seu filho Diogo para o hemiciclo. A ex-ministra da Defesa socialista, Carme Chacón, que assumiu o cargo quando estava grávida, considerou que “não era necessário”, lembrando que outras trabalhadoras não podem fazer o mesmo. A deputada do PP Celia Villalobos foi mesmo ter com Bescansa para lhe explicar que há um infantário no Congresso.

A controvérsia foi tanta que o Podemos distribuiu um comunicado onde explica que se tratou “de um gesto simbólico pelas reivindicações de todas as mulheres que têm de poder conciliar a vida pessoal e profissional e hoje não podem”. O partido aproveitou para lembrar algumas das suas propostas, como “conseguir infantários ao alcance de todos e todas” e “não um privilégio para os que podem pagar 400 euros por mês”.

Polémicas à parte, está iniciada a XI legislatura espanhola. O rei Felipe VI pode começar a contactar os partidos com representação parlamentar já nesta quinta-feira e o PP aposta que ainda em Janeiro Rajoy irá ao Congresso com um governo para se submeter a uma primeira votação. Num editorial intitulado “Que comece o jogo”, o El País adverte que “qualquer especulação sobre fórmulas e soluções a partir do acordo parlamentar [que permitiu a eleição de López] pode levar a enganos.” 

 

 

 

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