Merkel endurece discurso para salvar política de acolhimento de refugiados
Chanceler quer expulsar candidatos a asilo que sejam condenados, mesmo a penas leves. Mexer na lei é do interesse da "grande maioria dos refugiados que estão" na Alemanha, defende.
Culminando uma semana em que a cada dia endureceu um pouco mais o seu discurso, a chanceler alemã defendeu neste sábado que os refugiados que cometam crimes devem perder o direito de asilo no país, mesmo que sejam só condenados a pena suspensa. Angela Merkel, no centro da tempestade desencadeada pelas agressões sexuais em Colónia, na noite de passagem de ano, tenta cortar caminho aos que a querem forçar a fechar a porta aos refugiados.
O aviso de Merkel foi feito na mesma altura em que centenas de apoiantes do movimento islamófobo Pegida acorriam à praça de Colónia, a mesma onde na noite de 31 de Dezembro centenas de homens, muitos deles estrangeiros, se embebedaram, dispararam petardos e, em grupos, cercaram as mulheres que por ali passaram, apalpando-as, roubando umas e intimidando outras. Pelo menos duas delas terão sido violadas.
Temendo incidentes, a polícia mobilizou dois mil agentes – muito mais do que os que ali estiveram na véspera de Ano Novo – para acompanhar a manifestação, que terá reunido perto de 1700 pessoas. “A Alemanha sobreviveu à guerra, às pragas e à cólera, mas e a Merkel?”, lia-se num cartaz, enquanto outro exigia a partida dos “Rapefugees [refugiados violadores]”.
Entre a multidão, a maior já reunida pelo Pegida em Colónia, destacavam-se apoiantes de grupos neo-nazis e, já a terminar o protesto, a polícia usou canhões de água e gás pimenta para dispersar manifestantes depois de estes terem lançado petardos e garrafas de cerveja. Segundo a Reuters, duas pessoas ficaram feridas e várias foram detidas.
Para o local foi também convocada uma contramanifestação, mas não houve incidentes entre os dois grupos. “É inaceitável que o Pegida explore a horrível violência sexual que aqui aconteceu no Ano Novo para espalhar as suas imposturas racistas”, disse à AFP Emily Michels, de 28 anos e megafone na mão.
Mas poucos acontecimentos poderiam colar-se tão bem à retórica da extrema-direita do que os incidentes em Colónia, sobretudo depois de a polícia federal ter confirmado, sexta-feira à noite, que entre os 32 homens identificados por suspeita de envolvimento nos incidentes, quase todos oriundos do Magrebe e do Médio Oriente, há 22 requerentes de asilo, ainda que não sejam claros os crimes que lhes são atribuídos.
Com o episódio a dominar todas as atenções, Merkel vê-se obrigada a endurecer a sua posição, tentando cimentar na opinião pública a divisão entre a esmagadora maioria de estrangeiros que chegaram ao país em busca de protecção e uma minoria que, nas suas palavras, “não quer respeitar as leis do país”.
“O mais importante é que falemos do que aconteceu de forma aberta e honesta. Aconteceram coisas terríveis e temos de dar uma resposta”, disse, numa reunião do partido democrata-cristão (CDU) em Mainz, no Oeste da Alemanha, referindo-se ao silêncio, da polícia e dos meios de comunicação social, nos dias a seguir às agressões. Uns e outros foram acusados de terem tentado silenciar o caso para não fomentarem sentimentos xenófobos.
“Se os refugiados cometeram um delito” isso “deve ter consequências, o que quer dizer que o seu direito [de residência no país] deve cessar se houver uma condenação a prisão ou mesmo a pena suspensa”, afirmou a chanceler, indo mais longe do que tinha já sido sugerido por alguns dos seus ministros.
A lei actual prevê que um candidato a asilo seja expulso no caso de ser condenado a pelo menos três anos de prisão efectiva, na condição de a deportação não colocar a sua vida e integridade física em risco. Mas a imprensa alemã adianta que a CDU, preocupada com a galopante subida dos populistas da Alternativa para a Alemanha (AfD), chegou neste sábado a acordo para endurecer as leis de asilo.
Além da exclusão automática dos candidatos a asilo que cometam um crime, o objectivo é também acelerar os mecanismos de deportação de estrangeiros que tenham sido condenados. Em cima da mesa está ainda um reforço dos poderes da polícia para efectuar controlos de identidade aleatórios e a inclusão da Argélia e Marrocos na lista de países considerados seguros, o que reduz a hipótese de os seus cidadãos beneficiarem de protecção.
O peso da lei
“Os que repetidamente cometem delitos, roubando ou atacando mulheres devem sentir o peso da lei”, afirmou a chanceler, insistindo que as propostas em cima da mesa “são do interesse dos cidadãos alemães, mas também da grande maioria dos refugiados que aqui estão”.
As estatísticas oficiais, divulgadas quarta-feira, revelam que em 2015 a Alemanha recebeu 1,1 milhões de refugiados e o ritmo apenas abrandou com o pico do Inverno. Merkel insiste que não cederá às pressões, incluindo do próprio partido, para impor um limite máximo ao número de entradas, mas parece já distante do lema Wir Schaffen das (Nós conseguimos) que repetiu durante meses aos alemães preocupados com a capacidade do país para acolher e integrar tanta gente de uma só vez.
A violência em Colónia “marcou o início de uma viragem na política de imigração” escreveu neste sábado o jornal conservador Die Welt, sublinhando que o país deve pesar bem “as vantagens e os riscos de uma imigração em massa, oriunda sobretudo de países muçulmanos”.