Presidente do Ruanda, homem-forte desde 1994, pode ficar até 2034

Texto de referendo foi publicado “menos de um dia antes de referendo”. Parceiros, com os EUA à cabeça, apelaram a Kagame para respeitar a limitação de mandatos e deixar o poder em 2017.

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Paul Kagamé na prática lidera o país desde o fim do genocídio de 1994 CYRIL NDEGEYA/AFP

Desta vez, é no Ruanda que se vê a relutância dos líderes em deixarem o poder. Um referendo feito à pressa e sem debate acaba de tornar possível ao Presidente Paul Kagame, que na prática lidera o país desde o fim do genocídio de 1994, ficar no poder até 2034.

Havia poucas dúvidas de que o “sim” à reforma constitucional triunfasse com larga vantagem. Contados os votos do referendo realizado na sexta-feira os resultados deram 98,4% dos votos  a favor do "sim" e 1,6% do “não”, segundo a comissão eleitoral.

O referendo permite que a Constituição seja alterada de modo a que, após mais um mandato transitório a iniciar em 2017 com a duração dos actuais sete anos, as eleições passem a ser de cinco em cinco anos, sendo o Presidente cessante elegível, o que prolonga as possibilidade de permanência de Kagamé na presidência até 2034.

Antigo chefe da rebelião tutsi que pôs fim ao genocídio desencadeado por hutus, Paul Kagame tornou-se vice-presidente e ministro da Defesa em 1994. Mas já então era visto como o verdadeiro detentor do poder. Em 2000, o Parlamento elegeu-o Presidente. Venceu depois as eleições de 2003 e foi reeleito em 2010, sempre com mais de 90% dos votos.

Com a actual Constituição, o Presidente não poderia continuar depois de 2017 e Kagame tinha dito que uma decisão sobre concorrer, ou não, a novas eleições dependeria do resultado do referendo. A consulta eleitoral foi formalmente apresentada como a resposta a uma petição popular de 3,7 milhões de pessoas – mais de metade dos 6,4 milhões  de eleitores - a solicitarem a continuidade do Presidente.

O Partido Democrático Verde, única das forças políticas autorizadas que está contra a revisão constitucional, queixou-se do pouquíssimo tempo entre o anúncio do referendo e a sua realização – dez dias – o que o impediu de fazer campanha pelo “não”.

“Vimos a vontade do povo”, disse o chefe da comissão eleitoral, citado pelo jornal pró-governamental New Times, depois de divulgados os resultados. Kalisa Mbanda criticou a posição da delegação da União Europeia, que afirmou não ter havido monitorização independente do referendo. “Registámos 630 observadores, todos independentes", contrapôs.

A União Europeia criticou também a ausência de debate, notando que o texto votado foi publicado “menos de um dia antes de referendo”. Os parceiros do Ruanda, Estados Unidos à cabeça, apelaram a Kagame para respeitar a limitação de mandatos e deixar o poder em 2017.

Carina Tertsakian, da organização Human Rights Watch, não ficou surpreendida pelo resultado. “Após anos de intimidações por parte do Governo […] as manifestações públicas de desacordo são raras”, disse, citada pela AFP. “Não existe uma democracia real no Ruanda”, tinha já dito quando, em Novembro, o Senado aprovou a alteração agora referendada. “Os partidos de oposição não conseguem funcionar. Há dois líderes da oposição detidos, condenados a 15 e a quatro anos de prisão, respectivamente, e membros de outros partidos que entram e saem da prisão várias vezes”.

Libertador da fúria genocida de há duas décadas, Paul Kagame sucumbiu ao apego ao poder.

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