Aprender a viver com o terrorismo
A França está em guerra. As polícias e o exército farão o seu trabalho. Mas há também o trabalho dos cidadãos. Ter medo e ter a força de não ceder ao medo. É o que aconselham os que têm experiência do terrorismo. A seguir à cólera vem a hora da inteligência. Responder ao terror — o que também implica violência — mas recusando pôr em causa o funcionamento das sociedades livres. Aprender a viver em perigo mas sem abdicar do nosso modo de vida. E fazer as perguntas.
Que pretendem os jihadistas? Uma publicação do Estado Islâmico (EI) fala em acabar com “a zona cinzenta”, o espaço de coexistência “ocupado pela maioria dos muçulmanos, situado ente o bem e o mal, entre o califado e os infiéis. George W. Bush tinha razão quando afirmava ‘ou estais connosco ou estais com os terroristas’”. Com a diferença de que, para o EI, os terroristas “são os cruzados ocidentais”. Conclui o editorial: “Chegou a hora (...) de dividir o mundo e destruir a ‘zona cinzenta’.” Transposto para Paris: romper a coexistência entre a França e as suas comunidades muçulmanas. Suscitar uma repressão brutal para provocar uma contra-reacção violenta.
Nas situações extremas, viver sob a ameaça do terror, sob o medo do conhecido e do desconhecido, ter necessidade de estar sempre em guarda e de sempre desconfiar dos outros deformam o ser humano e a sociedade inteira, previne o escritor israelita David Grossman.
O terrorismo perturba a vida quotidiana. São as intermináveis revistas policiais nas ruas ou à entrada de cinemas e restaurantes, são engarrafamentos monstros nas estradas ou a evacuação de um estádio de futebol quando a polícia descobre um objecto suspeito.
É difícil resistir ao medo. Sublinha Grossman: “Porque o verdadeiro potencial destrutivo do terrorismo reside no facto de confrontar o ser humano com o mal que se esconde dentro de si, com o que há de mais baixo, bestial ou caótico dentro de si. (...) É descobrir até que ponto pode ser difícil resistir a um modo de pensamento racista num clima de terror.”
Confessa uma jovem francesa: “Estou em risco de me tornar racista. No metro não me consigo impedir de fixar o olhar em todos os tipos que têm ar de árabes.” A ameaça do EI não é a capacidade de derrotar o Ocidente. É a possibilidade de, na reacção antiterrorismo, os europeus cometerem o erro de destruir a sua própria coesão social.
Que aconselha a inteligência? Não sobrevalorizar o EI, cuja fuga para a frente também revela a sua actual debilidade na Síria e no Iraque. A sua nova estratégia de “terror global” mudou as prioridades internacionais e pode sair-lhe muito cara, prevêem analistas de estratégia.