O homem que dizia que sim

Quando o Paulo nos ligava sabíamos que os dias iriam mudar. Quando o entrevistávamos era nos detalhes que encontrávamos as respostas. O Paulo Cunha e Silva era um homem daqueles que nos fazia protagonistas, a seu lado, das mudanças. Era alguém que acreditava, como Cícero, que quanto maiores fossem os desafios, maior seria a satisfação. E da Faculdade de Medicina à Porto 2001, do Instituto das Artes à Embaixada de Roma, e agora na Câmara Municipal do Porto, este homem todo-mundo era, afinal, alguém que gostava – e acreditava – na vida à distância da mão. Mais do que perguntar porquê, era alguém que nos devolvia a pergunta: porque não?

Há homens que fazem e o Paulo era um homem que fazia. Com ele trazia o entusiasmo e, com ele, carregava-se a esperança de não deixar nada igual. O aperto de mão forte era a assinatura da confiança. A frase erudita era a certeza de que nada seria em vão, mesmo que parecesse sempre muito. As referências que trazia, e que partilhava sem desejo de propriedade mas vaidoso do seu conhecimento, eram o seu modo de convencimento de que essa mudança também era a nossa.

Quando se diz que um homem pode fazer a diferença, quando nos recusamos a aceitar que há homens providenciais, eis que a morte nos surpreende ao roubar-nos um homem bom, daqueles que ousa sonhar e que não dizia que não. Um homem que dizia sim, porque era esse sim e a sua possibilidade de construir caminho, que o animava.

Bulímico, intenso, provocador, sim, Paulo Cunha e Silva era tudo isso. Mas era também o ponto de partida de tantas histórias, espectáculos, filmes, exposições, livros. Com a sua assinatura ficam passos importantes – e vidas mudadas – de tantos artistas mas sobretudo de espectadores, leitores, cidadãos, habitantes dessa – desta – cidade líquida onde vivemos.

Mas Paulo Cunha e Silva era, foi – é, porque essas vidas mudadas são o que nos lega - , sobretudo um homem das ideias. E não havia melhor ideia do que provocar um encontro, que era o que ele fazia melhor. Esse encontro tinha um propósito. Como homem que sabia, afinal, qual o lugar do corpo – assim chamou ao seu livro sobre ciência médica e as artes performativas – esse propósito era identificar o lugar onde escolhemos pertencer. Paulo Cunha e Silva escolheu sempre pertencer ao presente. Agora, como dizia. E agora já não está.

Crítico e consultor de programação do Théâtre de la Ville, em Paris, e do São Luiz Teatro Municipal, em Lisboa

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