Agência antidopagem recomenda suspensão do atletismo russo

Denúncias sobre o funcionamento dos organismos antidoping na Rússia incluem corrupção, destruição de amostras e clima de intimidação. Comissão independente aconselha exclusão dos atletas daquele país

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A agência vai revelar mais pormenores na noite desta segunda-feira REUTERS/Grigory Dukor

A possibilidade de os campeões olímpicos russos de atletismo não poderem estar no Rio de Janeiro, no próximo ano, para defender os respectivos títulos, agitou a modalidade. O cenário foi colocado em cima da mesa na apresentação de um relatório, elaborado por uma comissão independente instituída pela Associação Mundial Antidopagem (AMA), no qual é descrito um esquema enraizado no atletismo russo de infracções sistemáticas aos controlos antidoping. Os autores do relatório apontam irregularidades nos laboratórios russos, destruição de amostras e um clima de intimidação generalizado, sugerindo a suspensão temporária de todos os atletas e o afastamento definitivo de cinco atletas e outros tantos treinadores. O presidente da Associação Internacional de Federações de Atletismo (IAAF), Sebastian Coe, falou em “dias negros” para a modalidade e pediu uma resposta dos responsáveis russos até ao final da semana.

A comissão independente, liderada pelo antigo nadador canadiano e ex-presidente da AMA Dick Pound, foi formada na sequência das alegações feitas num documentário, transmitido em Dezembro do ano passado pelo canal alemão ARD, que relevava a prática comum do recurso ao doping no desporto russo. Os indícios confirmaram-se, considerou Pound na apresentação do relatório de 323 páginas: “Algumas das coisas que descobrimos foram surpresas desagradáveis. É pior do que pensávamos, porque tem o efeito factual de manipular os resultados desportivos. Os atletas, na Rússia e não só, estão a sofrer as consequências. Talvez seja um resquício do antigo sistema soviético... têm de romper com isto e começar de novo”. “Para 2016, a nossa recomendação é que a Rússia seja suspensa; na verdade esperamos que o façam de forma voluntária, para que os responsáveis possam resolver os problemas a tempo de que os atletas russos possam competir num novo enquadramento. A ideia não é excluir ninguém dos Jogos Olímpicos, mas, por vezes, esse é o preço a pagar”, acrescentou.

O conjunto de conclusões do relatório é descrito como “uma cultura profundamente enraizada de fraude”. “Em consequência da inacção generalizada, os Jogos Olímpicos de Londres foram, de certa forma, sabotados pela admissão de atletas que não deviam estar a competir”, pode ler-se no relatório coordenado por Pound, a propósito da presença de alguns atletas russos com perfis suspeitos. A Rússia conquistou 17 medalhas em Londres 2012, no atletismo, oito das quais de ouro.

No relatório também se questiona a legitimidade dos métodos do principal laboratório antidoping russo, em Moscovo, sugerindo-se que seja revogada a acreditação da AMA àquela unidade. A comissão também apurou que o director daquele laboratório procedeu à destruição, numa manhã de sábado, de 1417 amostras, impedindo a contra-análise por parte dos organismos internacionais. Há ainda alusões à presença de elementos da polícia secreta russa nos laboratórios antidoping de Moscovo e Sochi (onde decorreram os Jogos Olímpicos de Inverno, em 2014), contribuindo para “uma atmosfera de intimidação”.

“É um dia negro”, admitiu Sebastian Coe. O presidente da IAAF pediu aos responsáveis russos que se expliquem até ao final da semana. “O relatório é alarmante. Ainda estamos a absorvê-lo. Vamos investigar e, se forem identificadas falhas na nossa regulação, vamos actuar”, garantiu o britânico, eleito para a liderança do organismo em Agosto.

O seu antecessor no cargo, Lamine Diack, está a ser investigado pelas autoridades francesas por suspeitas de ter recebido mais de um milhão de euros para ocultar os controlos antidoping positivos de atletas russos – a comissão de ética da IAAF também investiga o ex-dirigente senegalês por encobrir as infracções da atleta russa Liliya Shobukhova. O relatório apresentado levou a Interpol a anunciar a abertura de uma investigação à escala mundial.

Alegações “infundadas”

Apesar de Sebastian Coe ter solicitado ao conselho directivo da IAAF que pondere as sanções a aplicar à Rússia, os responsáveis daquele país desvalorizaram as conclusões do relatório. “A comissão independente não tem o poder de suspender ninguém”, recordou o ministro russo do Desporto, Vitaly Mutko. O director-executivo da agência russa antidoping, Nikita Kamaev, considerou que as alegações contra o atletismo russo são “infundadas”. E o presidente da federação russa de atletismo, Vadim Zelichenok, exigiu provas de que “quaisquer infracções tenham a responsabilidade da federação e não de actos individuais”. “Merecemos uma oportunidade de limpar o nosso nome. [A suspensão] é apenas uma recomendação”, sublinhou.

O escândalo revelado pelo relatório da comissão independente instituída pela IAAF chegou a ser comparado àquele que assola a FIFA, com investigações a decorrer em vários países, e que já provocou a demissão de Joseph Blatter, presidente do organismo que tutela o futebol desde 1998. “A credibilidade do desporto sofreu vários golpes nos últimos meses, com a corrupção na FIFA e, agora, este caso na IAAF. Estas são duas das mais importantes federações desportivas no mundo”, lembrou Dick Pound, acrescentando: “[No caso do atletismo] é pior, porque afecta directamente os resultados e os atletas.”

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