Documentário televisivo revela que doping é prática comum no atletismo russo
A televisão pública alemã transmitiu programa no qual surgem depoimentos comprometedores. Autoridades russas dizem que não actuaram porque não há queixa
Testemunhos na primeira pessoa ou situações comprometedoras captadas com recurso a câmaras ocultas revelam como o recurso à dopagem é uma prática generalizada, envolvendo o topo do atletismo russo. Com o título “Dossier secreto doping: como a Rússia fabrica os seus campeões” são apresentados pormenores de como o país de Putin luta para se manter no topo da hierarquia mundial da modalidade, utilizando um esquema criminoso e que beneficia até do apoio governamental.
Num encontro filmado com uma câmara oculta, por exemplo, Mariya Savinova, actual campeã olímpica e vice-campeã mundial de 800m, admite ter recorrido a substâncias dopantes. “Existe toda uma metodologia para impedir que se registem casos positivos. Os funcionários garantem que os atletas não sejam submetidos a testes”, explica Vitali Stepanov marido de Rusanova, castigada em 2013 devido a alterações registadas no seu passaporte biológico. Stepanov foi um ex-dirigente da Agência Antidopagem da Rússia (Rusada).
“O desportista é alvo de muita pressão e no final não lhe resta outra alternativa que recorrer a práticas ilegais”, declara Oleg Popov, treinador de vários atletas apanhados nos últimos anos. "Não digo que não exista alguém ‘limpo’, mas 99% dos atletas, incluindo os melhores, os olímpicos, acaba por ceder”, afirma Evgenia Pecherina, treinada por Popov e “apanhada” duas vezes em 2013 por recurso a um potente esteróide anabolizante e afastada das competições por um período de 10 anos.
A Agência Mundial Antidopagem (AMA) anunciou que vai analisar as denúncias, embora já tivesse em curso uma investigação. Isto porque os 67 atletas russos castigados nos últimos dois anos levantaram suspeitas e obrigaram a que fossem tomadas medidas. Já a Agência Antidopagem da Rússia aguarda que a AMA a questione oficialmente para avançar com uma investigação.
No documentário há dois nomes que são indicados como sendo os cérebros de todo um esquema de corrupção: Gregori Roshenkov, director do laboratório de controlo antidoping de Moscovo e Serguei Portugalov, médico da Federação Russa de Atletismo (ARAF) e elo de ligação entre esta e a Federação Internacional de Atletismo (IAAF) na luta contra a dopagem. De acordo com o documentário, o primeiro encarregava-se de elaborar programas ilegais que permitiam evitar os controlos mais modernos, enquanto o segundo tinha a responsabilidade de os realizar.
Mas as suspeitas em torno do atletismo russo não se ficam por aqui. Num trabalho jornalístico publicado pelo jornal francês L’Équipe, diz-se que os atletas apanhados no doping podiam comprar a sua absolvição. Liliya Shobukhova, a segunda maratonista mais rápida da história, atrás Paula Radcliffe, evitou um castigo antes dos Jogos de Londres 2012 pagando 450 mil euros. “Entreguei o dinheiro e disseram-me: ‘Tudo está bem’”, diz a própria atleta ao jornal.