“Operação Mãos Limpas” na Catalunha
Suspeito de corrupção, Artur Mas, o president da Catalunha está a ser encurralado pela justiça.
Quase um mês após as eleições “plebiscitárias” de 27 de Setembro, a Catalunha continua sem governo à vista e o president Artur Mas afoga-se num processo de corrupção conhecido por “caso 3%”. Esta semana foram presos o tesoureiro e o ex-tesoureiro do seu partido, a Convergência Democrática da Catalunha (CDC), o responsável da Generalitat (governo autonómico) pelas infra-estruturas, o homem de quem depende a adjudicação de obras públicas, e ainda seis construtores civis. Artur Mas está encurralado. Alguns sentem um odor a Milão 1992, quando a magistratura italiana lançou a operação Mãos Limpas, que varreu parte da elite política.
O tesoureiro, Andreu Viloca, é acusado de delitos de corrupção, prevaricação, financiamento ilegal de partidos, falsificação de documentos, manipulação de preços e concursos públicos, branqueamento de capitais.
Os 3% seriam o valor mais comum das comissões ilegais pagas ao partido em troca de adjudicações. Mas há muitas outras modalidades, como os construtores civis que fazem doações regulares ao partido para serem favorecidos nas adjudicações, mas sem haver um laço directo entre ambas, o que torna difícil provar a ilegalidade.
O financiamento “por baixo da mesa” da CDC e o favorecimento das empresas “amigas” eram um segredo de polichinelo. Trata-se de um sistema clientelista e de extorsão das empresas. Mas uma coisa é conhecerem-se as regras do jogo e outra haver provas. O sistema foi montado pelo próprio Pujol, o fundador da CDC e “pai da pátria”.
Quando em 2003 os socialistas de Pasqual Maragall chegaram ao poder em Barcelona, houve uma oportunidade de abrir uma investigação. Em Fevereiro de 2005, Maragall acusou o anterior governo de cobrar comissões ilegais. Disse a Artur Mas no parlamento catalão em Fevereiro de 2005: “Os senhores têm um problema e esse problema chama-se 3%.” O líder da CDC respondeu ameaçando romper as negociações que então decorriam sobre o Estatuto catalão. Maragall deixou cair o assunto.
A investigação foi reaberta este ano, a propósito de um caso de corrupção local. Este levou a uma construtora onde os magistrados começaram a recolher provas de pagamentos ilegais às fundações da CDC. No dia 28 de Agosto, a Procuradoria Anticorrupção e a Guardia Civil revistavam as sedes da CDC e das suas fundações.
A “cápsula de cianeto”
Artur Mas, que começou por acusar os magistrados de agirem por razões políticas, foi chamado a prestar contas no parlamento catalão na sexta-feira. Defendeu-se dizendo que “a contratação pública da Generalitat é impecável”, que querem “criminalizar” as empresas que fazem doações às fundações da CDC e que “durante dez anos nada se provou”.
No entanto, os seus sócios da Esquerda Republicana da Catalunha (ERC), na coligação Juntos pelo Sim, exigem uma investigação “até ao fim” e que não deixe “sombra de dúvida”. Proclamou a sua secretária-geral, Marta Rovira: “Na nova república catalã não haverá lugar para corruptos.”
Inés Arrimadas, líder catalã do partido Cidadãos (anti-nacionalista), perguntou a Mas: “Nós, catalães, estaremos muito errados ao suspeitar que a sua mudança ideológica [para a independência] tem a ver com estas investigações?” Há dias, o enviado do diário alemão Die Welt, num artigo intitulado “Máfia-separatista”, insinuou que o independentismo de Mas e da CDC é em grande parte uma cortina de fumo para tapar os casos de corrupção na Catalunha. O ainda president está sob fogo.
Artur Mas, que fracassou no “referendo” de 27 de Setembro, tem um problema suplementar pois tanto os seus sócios da ERC como os aliados radicais da Candidatura de Unidade Popular (CUP) não facilitarão a sua investidura na chefia do governo. Se não houver um acordo até 9 de Janeiro, data limite para a tomada de posse do president, as eleições catalãs terão de ser repetidas em Março. Ora, a investigação judicial torna quase impossível um voto favorável da CUP, que se tornou no árbitro da maioria.
Muitos dão como inevitável a demissão de Mas. Enric Juliana, director-adjunto do La Vanguardia, resume a situação numa imagem: “Há uma cápsula de cianeto entre os dentes de Artur Mas.” Tal como na Itália de 1992, “há uma exigência social de limpeza” e, nos círculos do poder, há a intenção de “liquidar politicamente o actual presidente da Generalitat”. Que lhe resta? “O próprio Mas poderia acabar a apertar os dentes para salvar o que possa ser salvo no maior partido catalão desde 1980.” Nesse caso, seria substituído pela vice-presidente, Neus Munté.
Impacto nas legislativas
Neste clima, os partidos nacionalistas ainda não sabem que alianças fazer para as legislativas de 20 de Dezembro. Perante o impasse, a ERC poderá ter um pretexto para abandonar a aliança com a CDC, no intento de a superar como primeiro partido. Mas, adverte o La Vanguardia, se não houver um bloco independentista, os anti-soberanistas do Cidadãos podem aspirar a ganhar as legislativas na Catalunha.
A demissão de Mas seria uma vitória política para Mariano Rajoy, acusado de “imobilismo” perante a questão catalã, e beneficiaria eleitoralmente o Partido Popular.
Artur Mas faz a aposta inversa, escreve Pablo Sebastián, director do República de las Ideas: “Encurralado, o político catalão procura ganhar tempo para ver se chega como presidente em funções da Generalitat às eleições de 20 de Dezembro, esperando que delas saia derrotado o seu principal inimigo, Mariano Rajoy.” Mas, prossegue o mesmo jornal, “o seu tempo está a esgotar-se e não poderá aguentar muitos dias”.
A haver eleições em Março, a Catalunha permaneceria sem governo estável durante meses, em plena crise política, económica e social. Este cenário constituiria um golpe no processo independentista. Tentarão a ERC e a CUP uma fuga para a frente, como a prometida declaração sobre “o início da desanexação e a república catalã”?
O que hoje conta é outra coisa: a questão catalã será um dos grandes temas da próxima legislatura. Não é difícil prever que o debate se deslocará do parlamento de Barcelona para o de Madrid.