Algum dinheiro, mas poucas soluções para uma crise de refugiados sem fim à vista
Mais de meio milhão de pessoas cruzaram o Mediterrâneo desde Janeiro. Na ONU discute-se "abordagem global" aos êxodos mas a Europa continua divida na resposta
A reunião, realizada no vórtice diplomático da Assembleia-Geral, acontece logo depois de a Rússia ter desencadeado os primeiros ataques aéreos na Síria, uma operação que dificulta um entendimento internacional para pôr fim ao conflito e pode desencadear novas vagas de refugiados. A iniciativa de Ban Ki-moon surge também depois de, na terça-feira, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) ter revelado novos números sobre a situação no Mediterrâneo: desde Janeiro, mais de meio milhão de pessoas arriscaram a vida no mar para chegar à Europa e perto de três mil morreram durante a travessia. As últimas vítimas foram uma mulher e uma criança, de que não se sabe ainda o nome ou a idade, que viajavam num barco insuflável que naufragou junto à ilha grega de Lesbos.
E o ritmo não abranda. Só na terça-feira, chegaram mais seis mil pessoas às costas da Grécia e Itália, o que eleva para 520.957 os refugiados que entraram na Europa por mar, adianta o ACNUR. Antecipando-se aos planos da União Europeia – que pretende que todos os refugiados sejam registados à chegada – milhares continuam a fazer-se à estrada, seguindo para norte através dos Balcãs.
Terça-feira 6600 pessoas entraram na Hungria vindas da Croácia e na manhã desta quarta-feira mais uma dezena de autocarros chegou à fronteira. O corrupio que pode estancar em breve se a Hungria fechar aquela passagem, à semelhança do que fez a 15 de Setembro com a fronteira sérvia. Restará aos refugiados a passagem para a Eslovénia e Ljubljana já avisou que está apenas preparada para deixar passar alguns milhares em direcção à Áustria e à Alemanha.
Pressionados pelos milhares que continuam a chegar e desiludidos com a falta de uma acção europeia concertada, estes dois países dão sinais de que estão a chegar ao limite: o Governo alemão reduziu o montante da ajuda financeira atribuída aos refugiados, ao mesmo tempo que duplicou as verbas atribuídas aos estados para acolherem os recém-chegados; a ministra do Interior austríaca, Johanna Milk-Leitner, avisou que se não houver um acordo internacional o país “poderá adoptar uma atitude mais estrita nas fronteiras, incluindo o uso da força”. Mais a norte, a Finlândia suspendeu a concessão de asilo a refugiados do Iraque e da Somália até concluir “uma avaliação sobre a segurança” nos dois países.
Ban Ki-moon, que não calou a indignação ao ver a polícia húngara carregar contra os refugiados que tentavam entrar no país, insiste que os países europeus “devem fazer mais” para ajudar quem foge da guerra. Um apelo a que o primeiro-ministro húngaro, o nacionalista Viktor Orban, respondeu indo a Nova Iorque pedir “quotas mundiais” para a distribuição dos refugiados. “O estado da nossa União Europeia não é bom, as fissuras na solidariedade multiplicam-se”, lamentou o presidente da Comissão, Jean Claude Juncker. Divisões que o director-geral da Organização Internacional para as Migrações (OIM), William Lacy Swing, vê como uma prova do “longo caminho que há a percorrer” até que seja possível “definir uma política global de longo prazo” para responder aos êxodos em curso no Médio Oriente e em África.
Algo se mexe, porém. Na véspera do encontro sobre refugiados, o G7 (grupo de nações mais industrializados) e os países do Golfo prometeram um total de 1800 milhões de dólares para o ACNUR e o Programa Alimentar Mundial. O Japão anunciou, em separado, mais 1600 milhões, metade dos quais canalizados para a ajuda aos refugiados sírios e iraquianos. Uma ajuda que o alto comissário António Guterres agradeceu, lembrando que a ONU não está a conseguir assegurar o “mínimo vital” às pessoas ao seu cuidado. “Essa é uma das razões por que vemos cada vez mais refugiados partir para longe, porque se tornou impossível subsistir nos primeiros países de acolhimento”.
Mas poucos parecem disponíveis para levar mais longe a solidariedade. Ao mesmo tempo que prometeu mais dinheiro, o primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, recusou a possibilidade de o Japão, um dos países mais envelhecidos do mundo, aceitar refugiados sírios. “Antes de aceitarmos imigrantes ou refugiados temos de conseguir ter mais mulheres e pessoas de idade a trabalhar e de aumentar a taxa de natalidade”. E numa entrevista à Reuters, o chefe da diplomacia do Qatar rejeitou as acusações de falta de solidariedade dos países do Golfo, afirmando que a população síria no país passou de 20 para 54 mil desde o início da guerra. Uma “hipocrisia” que o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, denunciou na ONU. Muitos países aqui representados lidam com o problema de uma forma muito mais simples, não permitindo que migrantes e refugiados entrem de todo no seu território”