Pode a água do novo Suez limpar a face da ditadura do Presidente Sisi?

O novo canal do Suez é um projecto de grande magnitude nacionalista no Egipto. Há dúvidas sobre a sua finalidade económica, mas o Presidente Sisi, rosto do fim da Primavera Árabe no país, quer usá-lo para unir a população e legitimar o poder.

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O projecto estava inicialmente previsto para três anos, mas o Presidente exigiu que fosse concluído em apenas um Reuters

O canal do Suez é uma das principais razões de orgulho nacional egípcio e a abertura da nova linha está impregnada de simbolismo. Nas palavras do Governo, trata-se do “renascimento do Egipto”. Esta quinta-feira será feriado nacional, os museus serão grátis todo o mês de Agosto e as principais artérias do país estão decoradas com laços e tarjas azuis e brancas. Há selos festivos, os passaportes são carimbados com as palavras “O novo canal do Suez” e o Estado lançou uma lotaria nacional com lugares para a primeira travessia. Sisi quer que o novo canal seja a representação da sua eficácia. O projecto estava inicialmente previsto para três anos, mas o Presidente exigiu que fosse concluído em apenas um. Começou no dia 6 de Agosto de 2014 e termina no mesmo dia deste ano.

A estratégia de Sisi parece estar a dar resultados. O Presidente egípcio é comparado a Gamal Abdel Nasser, que nacionalizou o canal em 1956 e terminou simbolicamente com o colonialismo francês e britânico. “O canal do Suez é a história do nosso país, é uma relação de amor”, diz ao Le Journal du Dimanche Amir Abou Zaid, um dos milhares de trabalhadores egípcios envolvidos na preparação da festa desta quinta-feira. O projecto de nove mil milhões de dólares foi quase inteiramente financiado por cidadãos egípcios que participaram na compra de títulos de dívida especiais. A BBC falou com uma família que deu 200 dólares para o novo canal. “Foi tudo quanto pudemos dar. Devemos ajudar o nosso país, é uma questão de dever nacional.”

Em troca, o Governo promete mais prosperidade. Segundo as estimativas oficiais, o novo canal vai aumentar a receita das tarifas dos 5300 mil milhões de dólares actuais para os 13,2 mil milhões em 2023. É neste campo que o projecto de Sisi pode ser um tiro pela culatra. Ninguém duvida que, a longo prazo, o projecto de expansão do Suez vai dar mais dinheiro ao Estado. Mas os especialistas duvidam que seja tão cedo quanto o Governo prevê e há vozes que dizem que este investimento faria mais sentido noutra área da economia egípcia.

O trânsito pelo Suez ainda não recuperou da crise financeira de 2008 – o volume de carga está 20% abaixo do valor desse ano. Para além disso, a Bloomberg diz que o comércio mundial teria de crescer a um ritmo médio de 9% ao ano para que o Governo egípcio atinja os seus objectivos – o Fundo Monetário Internacional estima uma média de 3,4% até 2016. E uma razão mais evidente: nenhuma transportadora pedia melhorias no Suez. “Do ponto de vista da indústria, esta iniciativa foi um pouco surpreendente”, diz um responsável da transportadora Banchero Costa & Co à Bloomberg.

O projecto do Governo egípcio pode desmoronar-se. Nas palavras de Mamdouh Hamza ao Le Journal du Dimanche: “O que é que acontecerá quando a efervescência terminar e as expectativas da população forem novamente destroçadas? O esforço do poder para vender este projecto diz muito. Passou de uma narrativa económica para uma canção nacionalista. O que é que dirão as pessoas quando compreenderem que os investidores estrangeiros vão ser novamente os que mais vão beneficiar do canal do Suez?”

Statu quo ante
O Suez de Sisi é também para consumo externo. O general quer fazer com que o Egipto regresse ao estado de coisas do passado, o statu quo ante. E tem-no conseguido, apesar do seu registo dramático na área dos direitos humanos. Sisi chegou ao poder em 2013 com um golpe de Estado que afastou o primeiro Presidente democraticamente eleito no Egipto, Mohamed Morsi, da Irmandade Muçulmana. Desde então, a oposição islamista e activistas têm sido reprimidos com violência. Uma semana depois do início das obras do novo canal, polícia e exército mataram pelo menos 817 civis na praça Rabba, no Cairo, que protestavam contra o golpe de Estado de Sisi.

Mas isso não impediu a reaproximação do Egipto à comunidade internacional. O primeiro grande passo aconteceu em Fevereiro deste ano. Ainda de relações cortadas com os Estados Unidos, Sisi negociou a compra de 24 jactos franceses Rafale directamente com o Presidente François Hollande – Paris tenta desesperadamente encontrar compradores para estes jactos há 20 anos. O Governo egípcio, que já tem a maior força aérea em África, desembolsava inesperadamente 5900 milhões de dólares – Hollande estará presente nesta quinta para a inauguração do novo canal.

Era uma mensagem para os Estados Unidos, até então o seu maior fornecedor de armas e de ajuda humanitária. Obama demorou cerca de um mês a responder. No final de Março, a Administração norte-americana anunciou que, para além de retomar a ajuda humanitária, acabaria também com a restrição da venda de armas ao país. Uma decisão que desbloqueou a entrega de 12 caças F-16 de Washington, mais de uma centena de peças de tanque e 20 mísseis de combate a navios. Isto tudo apesar de a Casa Branca não reconhecer ainda a legitimidade do Governo de Sisi. 

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