“A repressão está agora a chegar a um nível diferente em Angola”
Jovens detidos terão sido torturados e outros continuam em parte incerta. Forças de Segurança continuam a vigiar activistas em Luanda, denuncia a Associação Justiça, Paz e Democracia.
Aconteceu várias vezes entre 2011 e 2013 em iniciativas pacíficas contra o Governo liderado pelo Presidente José Eduardo dos Santos. “Agora, a repressão está a chegar a um nível diferente”, diz Lisa Rimli, que foi até 2013 investigadora da organização Human Rights Watch (HRW) para Angola, país que continua a acompanhar como investigadora independente.
Também a Associação Justiça, Paz e Democracia (AJPD), presidida por Lúcia da Silveira, em Angola, denuncia uma situação em que os agentes da Polícia e dos Serviços de Informação e Segurança do Estado “continuam a vigiar e fazer buscas e apreensões” de jovens do movimento revolucionário, já depois do fim-de-semana quando foram detidos vários jovens numa casa de Luanda. Contactada por telefone, a activista responde através de um comunicado em forma de alerta lançado na segunda-feira.
E o que diz é que a operação foi levada a cabo pela Polícia Nacional e por elementos afectos aos Serviços de Inteligência e Segurança de Estado de uma forma que viola a Constituição, leis relativas à prisão preventiva e buscas domiciliárias e tratados internacionais de direitos humanos ratificados por Luanda; que os jovens detidos no fim-de-semana "sofreram torturas físicas e psicológicas e foram ameaçados de morte”; e que outros estão desaparecidos. O alerta é lançado à sociedade angolana e aos países com representação diplomática em Luanda, como Portugal.
Os jovens foram detidos na residência de um deles no dia 20 de Junho, durante um encontro de reflexão pacífica sobre a situação dos direitos humanos e a governação. E como no início da semana também esta terça-feira continua a pôr-se a hipótese de haver 20 pessoas detidas – mais do que os 13 confirmados – porque alguns jovens não voltaram a ser vistos desde sábado. Entre os 13 presos confirmados pelo Grupo de Apoio aos Presos Políticos Angolanos (GAPPA) e pela AJPD, apenas três foram localizadas na 29ª Esquadra, em Luanda: o rapper Luaty Beirão (Ikonoklasta), Manuel Nito Alves e Nuno Dala. A Polícia não presta informação.
Um dos apelos da AJPD ao Executivo angolano, liderado por José Eduardo dos Santos, é pois no sentido de “instar a Polícia Nacional” a “prestar o devido esclarecimento à família dos jovens, até agora em parte incerta e sobre as condições de segurança e integridade físicas” além de “respeitar os direitos, liberdades e garantias” dos membros de movimentos pacíficos. Contactado, o comandante-geral da Polícia Nacional Ambrósio de Lemos disse ao PÚBLICO: “Não tenho nada a declarar sobre isso. Não é assunto meu, é um assunto de Estado.”
Perseguições de carro e ameaças
A memória do 27 de Maio de 1977, quando uma acção de contestação ao Presidente Agostinho Neto resultou na morte ou desaparecimento de muitas pessoas, ainda está muito presente. Com essa memória em fundo, os acontecimentos do fim-de-semana em Luanda "criam uma enorme apreensão”, diz Lisa Rimli.
Tanto mais, afirma a investigadora, que tem havido, nos últimos meses “um agravamento da repressão”, tanto com as detenções em Cabinda como a do activista Marcos Mavungo, em Março, como com a perseguição em Luanda a dirigentes de organizações de direitos humanos, como a SOS Habitat. Lisa Rimli fala de "perseguições intensas", por vezes de carro, e "ameaças". “Todos os defensores dos direitos humanos queixam-se da repressão, mas agora isso acontece ao mesmo tempo. Não são coisas novas. Mas agora é muito mais sério e ninguém sabe onde vai parar”, acrescenta.
Agora, não só os agentes da Polícia e dos Serviços de Informação e Segurança do Estado irromperam numa casa de Luanda para deter activistas e depois dirigiram-se às suas respectivas residências para apreender bens e material informático, como a estas detenções juntam-se acusações de crimes contra a Segurança do Estado, crimes para os quais existem prazos muito mais alargados para a prisão preventiva. “Durante esse tempo, com o material informático apreendido, podem fabricar o que quiserem”, incluindo provas contra estas pessoas, diz Lisa Rimli.
“Com este material, têm oportunidade de saber quem está ligado ao movimento [de activistas pelos direitos humanos], quem lhes fornece informações. Podem fabricar provas e condená-los. É um golpe que fragiliza imenso as pessoas.” E conclui: “Este caso é muito mais sério e também indica que há uma vontade de acabar com este movimento, este núcleo de jovens intelectuais que criticam e mobilizam outros jovens.”