Activistas detidos numa casa em Luanda por perturbação da ordem pública
Os jovens foram levados sem mandado de captura no sábado e continuam presos. Computadores, fotografias, documentos e cartões de crédito terão sido apreendidos pelas forças de segurança.
Os elementos da Polícia Nacional fortemente armados “irromperam de forma violenta nas casas”, lê-se no comunicado do grupo de apoio aos presos políticos divulgado no domingo. Confirmadas pelo GAPPA, havia pelo menos 12 pessoas detidas esta segunda-feira. E dessas, algumas foram localizadas na 29.ª esquadra, adjunta à DNIC. Mas poderão ser cerca de 20, embora não confirmados, e estarão repartidos por várias esquadras da capital angolana. A DNIC não informou onde se encontram, diz ainda o comunicado do grupo que percorreu, no domingo, várias esquadras de Luanda. O PÚBLICO contactou telefonicamente o comandante geral da Polícia Nacional de Angola, Ambrósio de Lemos, mas não obteve resposta.
De acordo com uma nota dos Serviços de Investigação Criminal do Ministério do Interior, transmitida pela Televisão Pública de Angola (TPA) e a Rádio Nacional de Angola (RNA), os activistas foram detidos “em flagrante delito” quando “se preparavam para realizar actos tendentes a alterar a ordem e segurança pública do país”.
Entre os 12 detidos confirmados pelo GAPPA estão Luaty Beirão, conhecido no meio artístico como Ikonoklasta, Manuel Nito Alves, activista que várias vezes esteve preso por pertencer ao Movimento Revolucionário Angolano e que adoptou o nome de um dos líderes (Nito Alves) da contestação brutalmente reprimida em 1977 ao anterior Presidente Agostinho Neto, e ainda Nuno Dala, professor da Universidade Católica de Angola.
Dos três, o rapper Luaty Beirão será o mais conhecido fora de Angola. Seis meses depois das eleições de Agosto de 2012 afirmava: “A mudança é irreversível e não depende nem das eleições, nem dos regimes fraudulentos que deles emanam.” Mas o grupo é essencialmente composto por activistas pouco conhecidos fora do país, que têm participado em encontros no quadro de uma iniciativa a que chamam Filosofia da Revolução Pacifica.
“Estes movimentos sociais não têm acesso aos media. A imprensa privada está toda controlada pelo partido no poder”, disse por telefone Felizardo Epalanga, responsável da comunicação da Fundação Open Society, em Luanda, mas que falou na qualidade de membro do GAPPA. “E estes activistas menos conhecidos, estes casos menos mediatizados, ficam mais desprotegidos." Além disso, diz, os jovens detidos no sábado "não tiveram ainda contacto com ninguém desde sábado”. Advogados da Associação Mãos Livres, que no passado já defenderam alguns destes activistas presos, estarão a ser constituídos para assumirem a defesa.
Uma acção "bem planeada"
Felizardo Epalanga descreve uma acção policial “praticamente inédita” e “muito bem planeada” pelas forças de segurança que, ao mesmo tempo que detiveram os activistas, apreenderam muito material “em zonas diferentes da cidade e muito distantes entre si”. Entre o material apreendido estarão computadores, material fotográfico, agendas, revistas, documentos e cartões de crédito – não apenas dos activistas, mas também dos seus familiares.
Nelson Pestana, professor da Universidade Católica de Angola, e escritor conhecido pelo nome de Eduardo Bonavena, lembra porém uma acção nos últimos dois ou três anos (não sabe ao certo) em que também uma reunião numa casa de um dos membros do Movimento Revolucionário Angolano foi violentamente interrompida por milícias que "invadiram o local e espancaram algumas das pessoas que participavam, mas não prenderam ninguém".
"Algumas dessas pessoas passaram perto da morte", lembra, dizendo que esse episódio foi o único, antes do que aconteceu no sábado, em que as pessoas foram detidas ou agredidas em locais de reunião, e não quando estão a manifestar-se nas ruas [como aconteceu frequentemente entre 2011 e 2013]. "[As forças de segurança] foram lá e assumiram a prisão [das pessoas] publicamente. Falam em flagrante delito, mas não configuram o delito", nota relativamente à informação transmitida pelo Ministério do Interior. Sobre a menor frequência com que os activistas se têm manifestado nas ruas no último ano, diz: "A mobilização para as manifestações continua. O poder é que não deixa que aconteçam."
Visita contestada à China
Nelson Pestana explica que enquanto antes as forças de segurança deixavam que as manifestações começassem e depois as dispersavam, através da intervenção de milícias e da polícia, prendendo alguns manifestantes, agora não permitem que os protestos se iniciem. "Quem aparece como responsável pela operação é a DNIC. Mas a contra-inteligência enquadra sempre a operação. E provavelmente sabendo que [os activistas] estavam reunidos [no sábado], terá havido intervenção para os demover de acções futuras", diz Nelson Pestana.
De acordo com a leitura do escritor e académico, esta acção "pode corresponder a uma necessidade do regime de mostrar que está atento à contestação" e de lembrar que será "capaz de a reprimir". Este mês, as redes sociais e fóruns de discussão encheram-se de expressões do "descontentamento" gerado pela visita do Presidente José Eduardo dos Santos à China. A viagem criou a percepção, junto da opinião pública, de um movimento de "alienação do património e da própria soberania" de Angola.
O Governo emitiu um desmentido, mas o que consta, diz Nelson Pestana, é que Angola estaria disposta a vender grandes extensões de terreno para os chineses desenvolverem a sua própria agricultura e exportarem para o seu país. Também desmentida foi a informação sobre um eventual pedido de moratória em relação ao pagamento da dívida de Angola à China, que teria sido feito pelo Presidente às autoridades chinesas.
"Febre de protestos no Brasil"
Alguns dos jovens agora detidos em Luanda são os mesmos que têm estado envolvidos em acções de protesto contra o Governo desde 2011, quando o Movimento Revolucionário Angolano foi criado, inspirado pelos movimentos da Primavera Árabe, de contestação ao poder em países do Norte de África e Médio Oriente. Agora, diz Felizardo Epalanga, além de contestarem a permanência de José Eduardo dos Santos no poder, há 36 anos, e exigirem mais respeito pelos direitos humanos, “também querem melhorias das políticas públicas e o fim da corrupção”.
“A febre das manifestações no Brasil também inspira os jovens angolanos que já não contestam apenas a perpetuação do Presidente no poder”, explica. “As forças de segurança, com a detenção dos activistas, estão a criar medo nas pessoas. Devido à repressão, as pessoas têm medo de aderir aos protestos”, diz Felizardo Epalanga. E isso frustra o objectivo dos activistas (agora divididos em três movimentos revolucionários diferentes) que é o de “verem mais gente aderir à sua causa”, conclui.