Bruxelas avança com "plano de acção imediata" para responder à crise no Mediterrâneo
Parceiros europeus aceitam reforço de meios para as operações de patrulhamento e segurança marítima. Cimeira extraordinária para discutir crise migratória foi marcada para quinta-feira.
A urgência da acção voltou a ficar evidente logo pela manhã desta segunda-feira, quando as autoridades costeiras de Itália e Malta foram chamadas a responder a pedidos de socorro lançados por embarcações à deriva, em risco de naufrágio e com centenas de pessoas a bordo. Informações avançadas pela Organização Internacional das Migrações (OIM) apontavam para o possível afundamento de um barco com 300 pessoas a bordo, e de um outro bote de borracha com 100 a 150 imigrantes, ambos ao largo da Líbia – perante a escassez de meios “oficiais” para uma missão de resgate, foi feito um apelo ao redireccionamento de navios da marinha mercante.
Um outro veleiro com 80 imigrantes clandestinos encalhou perto do porto grego de Rodes: no desembarque, ficou a saber-se que dois adultos e uma criança não sobreviveram à viagem. Enquanto isso, os corpos de 24 vítimas do naufrágio de domingo começaram a chegar a terra.
Os incidentes dos últimos dias são apenas uma amostra da realidade actual no Mediterrâneo: numa dramática luta pela sobrevivência, milhares de pessoas em situação de debilidade extrema ficam na mão de redes de contrabando que prometem o “paraíso” europeu sem nenhuma garantia, perante a indiferença dos políticos europeus. O primeiro-ministro italiano, Matteo Renzi, ofereceu um equivalente histórico para o drama em curso no Sul da Europa, referindo-se a um novo genocídio: “Há vinte anos a Europa fechou os olhos perante o massacre de Srebrenica. Mas não podemos fazê-lo de novo, para não ver a destruição de muitos milhares de vidas no Mediterrâneo.”
O apelo surtiu algum efeito: horas depois, o presidente do Conselho Europeu confirmava a presença de todos os chefes de Governo numa cimeira extraordinária, agendada para quinta-feira, para discutir a pressão migratória nas fronteiras europeias. “Não espero nenhum tipo de solução rápida e milagrosa para as causas que estão por detrás deste fluxo. Mas espero que a diplomacia europeia seja capaz de apresentar medidas de acção imediata para aliviar este sofrimento”, declarou Donald Tusk.
Algumas medidas extraordinárias foram apresentadas aos ministros dos Negócios Estrangeiros e do Interior da União Europeia, reunidos de emergência no Luxemburgo. Segundo o ministro do Interior da Alemanha, Thomas de Maiziere, a Comissão propôs duplicar o financiamento e os meios dos programas de segurança e patrulhamento marítimo Tritão e Poseidon e alargar a sua área de intervenção. Mas mesmo depois deste reforço, as duas missões terão menos recursos do que o anterior programa de vigilância Mare Nostrum do Governo italiano, que foi abandonado no ano passado.
Mas como “as buscas e salvamento são apenas uma das faces da moeda, como notou o governante alemão, a Comissão também aprovou medidas para a penalização das redes criminosas que lucram com o transporte de imigrantes para a Europa. Thomas de Maiziere disse que o bloco vai usar a operação anti-pirataria Atalanta, em curso na costa da Somália, como referência para os seus esforços de “captura e destruição” das embarcações usadas no tráfico do Mediterrâneo, e vai dar prioridade à investigação (policial e judicial) das redes contrabandistas – sobre essas operações, que combinam uma vertente civil e militar, foram dados poucos detalhes.
Outras iniciativas dizem respeito ao alojamento ou expatriamento de imigrantes clandestinos e refugiados. A agência europeia de controlo das fronteiras europeias, Frontex, terá novos poderes para proceder ao repatriamento de imigrantes ou candidatos a asilo cujo processo seja “irregular”. Ao mesmo tempo, Bruxelas também propôs aos países a adopção de um “mecanismo de realojamento de emergência” dos imigrantes que chegam à costa, e a criação de um programa-piloto voluntário para a redistribuição de refugiados pelos países da UE.
Os apelos à acção concertada da Europa no mar e em terra, tanto na vigilância e intercepção de embarcações e nas operações de salvamento, como na recepção e avaliação dos processos dos refugiados e candidatos a asilo, têm surgido dos mais variados quadrantes. Contudo, o consenso necessário para a adopção de medidas tem-se revelado difícil de alcançar, com os parceiros divididos sobre a melhor forma de resolver os dilemas económicos e políticos (crise económica, desemprego) com que a UE se confronta.
Além disso, a conjuntura eleitoral não facilita o entendimento, com o espectro do crescimento dos partidos anti-imigração de extrema-direita a influenciar a tomada de decisões. O alto-comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Zeid Ra’ad al-Hussein, criticou a “insensibilidade” dos políticos europeus para o drama das “populações mais vulneráveis do mundo” e, ainda mais duramente, o “envenenamento da opinião pública” pelos partidos “populistas xenófobos”. Como resultado, lamentou este dirigente, foram extintos “programas valorosos”, como, por exemplo, o Mare Nostrum do Governo italiano, e adoptadas políticas “míopes e de curto prazo”, que ameaçam transformar o Mediterrâneo “num vasto cemitério”.
A actual situação de catástrofe humanitária, prosseguiu, é resultado do “fracasso contínuo das políticas dos Governos, ao qual se junta um monumental falhanço em termos de compaixão”. O fim das operações de salvamento em alto mar “não reduziu o fluxo migratório nem travou as redes contrabandistas, apenas contribuiu para mais mortes no Mediterrâneo”, observou. Por isso, aconselhou, em vez de fechar as portas à entrada de imigrantes e refugiados, a Europa deveria reconhecer os direitos daqueles que pedem asilo e daqueles que podem suprir as necessidades de mão-de-obra (não-qualificada) da sua economia. “A União Europeia deveria ter uma abordagem mais sofisticada e corajosa e não continuar indiferente ao desespero e morte de milhares de imigrantes que se aventuram em barcos que nem deveriam navegar para chegar à costa europeia”.