Gestora dos aeroportos vai pagar até 4,4 milhões por taxa turística de Lisboa
Companhias de aviação avisam que vão estar “muito atentas” e não aceitarão qualquer repercussão dos custos da taxa turística, que entra em vigor nesta quarta-feira.
António Portugal, presidente da Associação das Companhias Aéreas em Portugal (RENA), explicou ao PÚBLICO que depois de, numa primeira fase, as transportadoras terem ficado preocupadas com os entraves que a forma de aplicação da taxa (um euro por turista) poderia trazer, agora mostram preocupação relativamente aos impactos da medida, não só para as companhias de aviação, mas para todos os que usam o aeroporto da Portela.
“A única coisa que não vamos admitir é que haja repercussões, directas ou indirectas. Não aceitamos que a ANA depois venha tentar compensar esse custo, seja com taxas aeroportuárias, com as rendas [aos lojistas] ou os parques de estacionamento”, afirmou. António Portugal referiu ainda que “se alguém decidiu substituir-se ao turista [sobre o qual a taxa deveria incidir] tem de assumir esse custo com um encargo seu”, acrescentando que a associação “vai estar muito vigilante para não haver repercussões indevidas”.
O protocolo, assinado apenas dois dias antes da data prevista para a entrada em vigor da taxa, refere que a ANA "aceita assumir, com carácter excepcional, o pagamento" da taxa até 31 de Dezembro de 2015. O valor depende do número de passageiros tributáveis - exclui os passageiros em trânsito ou com residência fiscal em Portugal - que entrem em Lisboa por via aérea, tendo por base a estimativa da entidade gestora do Aeroporto Internacional: um mínimo de 3,6 milhões de euros e um máximo de 4,4 milhões de euros. Deste valor estimado, três milhões referentes aos meses de Abril a Outubro serão pagos até ao final do ano e o restante será pago no início de 2016, tendo por base o número real de passageiros.
O documento não menciona a existência de quaisquer contrapartidas pagas pelo município, nem diz se a ANA irá fazer reflectir o custo de forma indirecta nos utilizadores do aeroporto ou nos operadores.
"O que existe entre a ANA e a câmara é um objectivo comum: ambos procuramos fomentar o turismo na cidade de Lisboa", resumiu o vice-presidente da câmara, Fernando Medina, aos jornalistas nesta terça-feira.
Segundo o autarca, o custo da taxa turística não poderá reflectir-se nas taxas aeroportuárias, uma vez que estas já foram fixadas para 2015. Medina referiu que o acordo com a gestora dos aeroportos vai "beneficiar" do novo sistema de incentivos às companhias aéreas, válido para todos os aeroportos com excepção de Lisboa.
O aval da ANA causa "alguma estranheza" ao presidente da RENA: "é estranho o voluntarismo quando as companhias de aviação andam a pugnar contra as taxas aeroportuárias e a ANA vem dizer que não há disponibilidade financeira” para as reduzir. Para António Portugal, a decisão de assumir o custo das taxas turísticas é, por isso, “pouco coerente”.
O protocolo prevê que no final de 2015 o modelo seja reavaliado "em função da experiência e do quadro global de financiamento da Administração Local". A forma de cobrança em 2016 dependerá dessa reavaliação. O vice-presidente do município afirmou que ainda está a ser estudado com a Administração do Porto de Lisboa o modo de aplicação da taxa de um euro a cada turista que chegue de barco à capital, a partir de Janeiro do próximo ano, mês no qual entra em vigor também a taxa de um euro sobre as dormidas nos hotéis.
Fernando Medina sublinhou que o valor pago pela ANA, tal como o restante dinheiro arrecadado com a taxa relativa à entrada de turistas por via marítima e com a taxa de dormida, reverterá inteiramente para o Fundo de Desenvolvimento e Sustentabilidade Turística de Lisboa. Este servirá para realizar investimentos como a continuação da requalificação da frente ribeirinha de Lisboa, ou a melhoria das acessibilidades à colina do Castelo de S. Jorge.
ANA justifica decisão com ausência de incentivos ao turismo
A gestora aeroportuária enviou nesta terça-feira um esclarecimento em que frisa que "não haverá liquidação individualizada da taxa", ou seja, "o valor não será reflectido aos turistas", já que considera que este modelo "criaria dificuldades operacionais grandes". E é por isso que decidiu que "assumirá a taxa" este ano.
A gestora aeroportuária explica ainda que a decisão está relacionada com o facto de o plano de incentivos às companhias de aviação, para estimular o tráfego e o turismo, se aplicar a toda a rede, à excepção de Lisboa. A ANA frisa que este foi motivo pelo qual aceitou "assumir o pagamento da referida taxa de chegada por via aérea".
Aliás, já em Março, quando apresentou o novo plano de incentivos, a empresa explicava que o programa não iria aplicar-se em Lisboa "por questões de estratégia comercial". Ao que o PÚBLICO apurou, já nesta altura a ANA tinha percebido que o modelo para resolver o impasse das taxas turísticas iria passar pela assunção dos custos por parte da gestora aeroportuária.
Na decisão terá pesado ainda o facto de a ANA considerar que a aplicação destas taxas iria trazer grandes obstáculos na operação, assim como um provável mal-estar das transportadoras aéreas que operam na capital.
A decisão da ANA surge após um ano de resultados recorde, em que o tráfego nos aeroportos nacionais cresceu 9,5%, superando as subidas históricas registadas no ano da Expo 98. Este crescimento reflectiu-se nos resultados da gestora aeroportuária, que desde Setembro de 2013 foi integrada no grupo francês Vinci, após um processo de privatização lançado um ano antes.
A Vinci não desagrega os dados financeiros por geografia, mas sabe-se que a ANA representa cerca de 75% das receitas da divisão aeroportuária do grupo, que está também presente em França e no Camboja. No ano passado, o negócio dos aeroportos gerou uma facturação de 717 milhões de euros (um aumento de 13,8%).
Governo aplaude mas tem reservas
A notícia de que não serão os passageiros, pelo menos para já, a pagar a taxa turística mereceu aplausos por parte do secretário de Estado do Turismo, Adolfo Mesquita Nunes. "A Câmara de Lisboa recuou na decisão de cobrar uma taxa turística aos passageiros desembarcados em Lisboa, dando ouvidos aqueles que no sector do turismo e também no Governo chamaram a atenção para a inoportunidade da taxa e para a impraticabilidade da sua cobrança no aeroporto", afirmou à Lusa.
No entanto, Mesquita Nunes tem reservas sobre a decisão da ANA. "O efeito da substituição da taxa turística por uma comparticipação suportada pela ANA só poderá ser avaliado depois de sabermos onde é que a ANA vai deixar de investir para suportar os custos pedidos pela Câmara de Lisboa".