Tribunal obriga Metro de Lisboa a devolver pensões que o Governo retirou
Sentença contraria decisão do TC e impõe reposição dos complementos de reforma e pagamento de danos morais a 24 antigos trabalhadores da empresa pública.
A decisão do tribunal da comarca de Lisboa é clara, ao declarar “inconstitucional” o artigo introduzido pelo Governo no Orçamento do Estado para 2014, que suspendeu o pagamento destes complementos de reforma nas empresas públicas deficitárias, com o objectivo de as reequilibrar financeiramente. E, por isso, condena a Metro de Lisboa a “cessar a suspensão do pagamento” dos referidos complementos e a pagar a cada um dos 24 ex-trabalhadores que moveram a acção “os montantes que lhes foram retirados” desde Janeiro do ano passado – mês em que a medida entrou em vigor. Além disso, obriga a empresa a entregar aos queixosos “uma indemnização por danos morais no valor de 2500 euros”. A estes valores acrescem “juros de mora, contabilizados desde o vencimento até integral e efectivo pagamento”, lê-se na sentença.
Ao que foi possível apurar, trata-se da primeira decisão favorável aos reformados destas empresas. Neste caso, o processo contou com o advogado António Garcia Pereira, mas há muitas centenas de ex-trabalhadores a contestar a suspensão dos complementos nos tribunais, apoiados pelos sindicatos. Até agora, a única vitória judicial conhecida dizia respeito a uma providência cautelar que, ao contrário do que tinha acontecido até aí, o tribunal decidiu julgar.
Na acção em causa, 24 antigos funcionários da Metro de Lisboa queixavam-se do facto de os complementos de reforma (que não correspondem à carreira contributiva e que eram pagos para compensar a diferença entre o último salário e a pensão) estarem previstos desde 1971 e serem pagos a todos os funcionários que entraram até 2004. “Verifica-se que desde há mais de quatro décadas” lhes tem sido “atribuído, reconhecido, garantido e executado (…) o direito de receber o complemento da sua pensão de reforma”, assim com os viúvos tinham o direito “a receber um complemento de sobrevivência correspondente a 20% do de reforma”, explicam.
A decisão do Governo, dizem, provocou “cortes no valor bruto da pensão recebida, que, nalguns casos, chegam a ultrapassar os 60%”, elencando de seguida os valores os 24 ex-trabalhadores deixaram de receber, num total de 119.387 euros. Os queixosos mostraram-se “revoltados e traídos na sua confiança” e “profundamente angustiados por não saberem qual irá ser o seu futuro e dos seus familiares mais próximos”. Uma situação que, garantem, causou “profunda ansiedade, perturbações de sono, irritabilidade e tendência para o isolamento”.
Perante estes argumentos, suportados em provas apensadas ao processo, o tribunal decidiu a favor destes 24 reformados da Metro de Lisboa, contrariando a posição que o TC tinha tomado quando foi chamado, em 2014, a fiscalizar algumas normas do Orçamento do Estado. Nessa altura, os juízes do Palácio Ratton julgaram a medida constitucional, embora a decisão não tenha sido unânime.
Na sentença, o juiz questiona-se: “Este tribunal encontra-se vinculado a entendimento sufragado pelo TC?”. E acaba por concluir pela “irrelevância da declaração de não constitucionalidade porque só assim se garante a liberdade de julgamento dos tribunais comuns”. O tribunal refere mesmo que um factor que relevou para a decisão foi o “fim do programa de assistência financeira”, o que, a par de um “aprofundamento da questão”, levou-o “a concluir pela existência de uma eventual colisão” entre a medida do Governo e “outros princípios constitucionais”, nomeadamente o direito à segurança económica.
Ao PÚBLICO, a Metro de Lisboa afirmou que “está a analisar a decisão do tribunal pelo que não considera oportuno pronunciar-se” neste momento. A decisão tomada agora não impede, porém, que recorra a instâncias superiores. Em conjunto com a Carris, esta transportadora pública pagava, até Janeiro de 2014, complementos de reforma a mais de 5600 antigos trabalhadores e pensionistas, o que acarretava gastos superiores a 20 milhões de euros por ano.
A suspensão dos complementos de reforma foi mantida no Orçamento do Estado para este ano, nas empresas públicas que apresentem prejuízos durante três anos consecutivos. Por proposta do PSD e do CDS, foi mantida a alínea que prevê a sua reposição quando gerarem lucros igualmente por três anos, bem como a cláusula de salvaguarda para quem recebe menos de 675 euros. O Governo tem vindo a manter reuniões com representantes dos trabalhadores, nomeadamente a UGT, para encontrar uma solução, mas, até agora, não houver qualquer entendimento.