O imenso logro
A pose “charrada” parece justificar tudo, mas disfarça mal a autocondescendência. Que tal (re)descobrir O Imenso Adeus, de Altman?
É a “cena original” de uma personagem: ou quando o film noir se revela retrato de paralisia emocional. Há qualquer coisa de obsceno neste confronto, na forma como engole todo o filme. Até porque não há mais nada tão determinante, tão determinado, tão intenso, no resto desta adaptação de Thomas Pynchon, que parece limitar-se a desagregar-se na ressaca dessa incandescência (tal como a personagem, claro).
Esta debilidade, chamemos-lhe assim, é um surpreendente contraponto aos habitualmente autoritários (super-)homens de Anderson e ao desejo de inscrever os filmes numa impositiva história do cinema americano. Mas aquilo que poderia ser uma revelação — a humildade, hélas... – revela uma existência de parasita, que de Tarantino (e a sua revisitação a Elmore Leonard) aos irmãos Coen se alimenta, retirando ainda o que pode do Chinatown de Polanski. A pose “charrada” parece querer justificar tudo, mas disfarça (mal) a manobra, a autocondescendência.
Mais escondido aqui está um alerta para a impotência de Inherent Vice: chama-se The Long Goodbye (1973), foi realizado por Robert Altman, iconoclasta amado por PT Anderson (esteve à sua disposição no último A Prairie Home Companion, em 2006). Nesse filme dos 70s Altman parecia desrespeitar Raymond Chandler para poder ser completamente chandleriano – se calhar aí já era pynchiano. Inherent Vice é uma espécie de falso remake do filme em que Altman fez viajar Marlowe/Elliot Gould até aos 70s, para um retrato visual e sonoro de um mundo – a América – que desabava tal como uma construção se esvai em segundos. Uma imensa melancolia espreitava essa hipótese de (filme) catástrofe, mas a ela não chega Inherent Vice.