Música ibérica e mediterrânica para trio de cordas

José Peixoto, Bernardo Couto e Carlos Barretto juntam-se num trio que nem é fado, nem é jazz. É apenas uma música do Sul, atravessada pela improvisação.

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Atrelada a essa busca vinha também um outro desejo: o de formar um grupo a que fosse dado espaço à guitarra portuguesa, extraindo-a do seu ambiente de origem. Quando, numa sessão de gravação, José Peixoto (compositor e intérprete de guitarra clássica, ex-Madredeus e Cal Viva) se cruzou com Bernardo Couto (cuja guitarra portuguesa é conhecida de discos e palcos de António Zambujo, Carminho ou Cristina Branco), arriscou desafiá-lo para um projecto de contornos mais livres, em que a improvisação tivesse um papel privilegiado. Entusiasmaram-se os dois e não demoraram a convidar o contrabaixista Carlos Barretto, vindo do universo jazzístico, para se lhes juntar e completar o Lisboa String Trio (LST). O disco de estreia, Matéria, ouve-se esta quinta-feira ao vivo no Centro Cultural de Belém.

“A partir do momento em que tínhamos a estrutura humana, começámos a trabalhar. Já tinha uma série de músicas que usei como pontapé de saída, para não ficarmos muito tempo à espera do que fosse preciso inventar”, lembra José Peixoto. O LST recupera, em certa medida, um imaginário musical em que o Sul da Europa se encontra com o Norte de África e que Peixoto havia já ensaiado no projecto Sal, com a fadista Ana Sofia Varela na voz. “Com o Sal eram canções, era música cantada; isto é música instrumental”, distingue. “Mas as preocupações são sempre as mesmas: fazer música o mais interessante possível.”

A partir do encontro do universo pessoal dos três foi depois fácil chegar a uma sonoridade que os três recusam colocar na prateleira do jazz. Tem-se discutido, aliás, se será esta uma tentativa de alcançar um jazz que se possa reclamar português, mas a verdade é que para o LST interessa mais aquilo que possa remeter para a geografia musical lusitana do que propriamente para o jazz em que Barretto se formou e em que Peixoto foi participando ao longo dos anos sempre como uma espécie de outsider.

No caso de José Peixoto, aliás, a sua abordagem à guitarra clássica é aqui, como noutros contextos, extremamente informada pela audição atenta de alaudistas como Rabih Abou-Khalil ou Anouar Brahem. “É uma música de que gosto muito e que oiço bastante – exerce em mim um certo fascínio e gosto de abordar o meu instrumento como se fosse um alaúde, um instrumento essencialmente melódico”, confessa. A Bernardo Couto interessa sobretudo poder “tocar guitarra portuguesa num contexto musical extra fado”. “Isso sempre me deu imenso gozo. E claro que o instrumento tem potencialidades e características que permitem ser incluído num conjunto muito diversificado de géneros musicais”, apesar de uma indesmentível ligação umbilical ao fado.

Carlos Barretto, contrabaixista mas que se diz “doido pela guitarra portuguesa”, funciona como a peça que constrói a ponte entre as duas guitarras, respondendo com inteligência, assim classifica Peixoto, à música que se vai desenleando à sua volta. “É evidente que o Carlos não vai começar a tocar be bop por cima de uma coisa que não tem nada a ver, e o universo dele é tal maneira abrangente que a criatividade logo se sintoniza com a música que estivermos a tocar."

Matéria foi o primeiro vislumbre de uma sonoridade que os três apontam como tendo uma marca d‘água portuguesa, atravessada por músicas do Sul da Europa, pelo jazz, pelas melodias arábicas, todo um abundante universo em permanente diálogo. A 7 de Junho, novamente no CCB, desta vez ao abrigo do ciclo de concertos A Guitarra Portuguesa e o Fado (integrado no programa Há Fado no Cais), os três tratarão depois de agitar esta identidade com uma abordagem ao reportório da guitarra portuguesa mais tradicional. Será um empurrão para que o LST não se fique por uma experiência episódica. “Isto tem de viver muito da persistência”, garante Peixoto. “Temos de alimentar o animal.”

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