Pais e filhos
Depois de Capote e Jogada de Risco, Bennett Miller confirma-se como um observador atento das discrepâncias entre o sonho americano e a realidade capitalista
Bennett Miller está a tornar-se num cineasta francamente mais interessante do que parecia à primeira vista. Depois de dar o Óscar a Philip Seymour Hoffman em Capote (2005) e substituir Steven Soderbergh aos comandos de Jogada de Risco (2011), o actor e realizador americano leva ao ecrã um terceiro caso verídico: desta vez, a relação ambígua entre um milionário excêntrico e dois atletas olímpicos que, em finais da década de 1980, culminou no assassinato de um deles. Foxcatcher tira o seu nome da propriedade rural da família Du Pont, proprietários da multinacional química homónima, mas também do nome que o herdeiro da fortuna, John E. du Pont, deu à equipa olímpica americana de luta livre, que financiou em troca de treinos e estágios nas suas instalações e sob a sua supervisão. Para Miller, é outra vez uma história americana, das divisões sociais, culturais e económicas que borbulham sob a superfície da cultura pop dos EUA; é uma história sobre o privilégio e sobre a coexistência difícil entre a ética do esforço das classes trabalhadoras e a ética da reflexão e do lazer do “um por cento” da sociedade.
É neste território que desde sempre foi central ao sonho americano que Miller liberta as tensões e os ressabiamentos familiares que vão alimentar o drama – e que ficam notavelmente expressos nos primeiros 15-20 minutos de filme. Acompanham de modo desapaixonado um dia na vida de Mark Schultz, herói olímpico que a América esqueceu, e desenham em surdina a relação adversarial mas inescapável entre Mark e o seu irmão mais velho Dave, que construiu uma vida normal, tem emprego e família. Nessa tensão entre irmãos intromete-se John du Pont, que esconde, por trás dos seus pronunciamentos grandiosos sobre um retorno à grandeza da América e da petulância de um miúdo mimado que não sabe aceitar um não como resposta, uma mesma insegurança e necessidade de afirmação perante a família.
Foxcatcherdesenha habilmente e com grande rigor as tensões emocionais entre dois homens em busca de uma figura paternal e um terceiro que o parece ser quase sem esforço (não são quem parecem, já agora), embora se compraza pontualmente num tom um pouco ilustrativo em excesso (felizmente, a dimensão observacional, desapaixonada, da câmara nunca tomba no voyeurismo gratuito). Ao mesmo tempo, confirma também o seu realizador como um dos raros herdeiros de um certo cinema clássico americano que caiu em desuso, e como um excelente director de actores – um irreconhecível Steve Carell domina na perfeição a centelha de loucura que se esconde por trás de Du Pont, um excelente Channing Tatum parece cada vez mais candidatar-se a ser “o novo Mark Wahlberg”, Mark Ruffalo explica porque é um dos mais injustamente subvalorizados actores americanos contemporâneos. Não é surpresa que seja um dos filmes mais “badalados” para os Óscares que se avizinham - mas é bem mais interessante do que essa honra duvidosa dá a entender.