Não aborrecerás o espectador
Ridley Scott constrói universos como ninguém, mas desta vez isso não chega.
Esta chatíssima versão moderna dos Dez Mandamentos, acompanhando a descoberta por Moisés das suas verdadeiras origens, a sua luta para libertar os judeus da tirania egípcia e o êxodo para a Terra Prometida, parece feita à medida dos muitos detractores que o consideram um mero decorador em vez de um cineasta. A atenção quase maníaca aos pormenores de cada fotograma, o luxuoso e esmagador trabalho de construção visual do universo do antigo Egipto, afogam a tentativa desconjuntada de enquadrar a história bíblica como alegoria da luta entre opressores e oprimidos, evocando os múltiplos cruzamentos contemporâneos entre política e religião. É verdade que o argumento parece colado com cuspo, dividido em “actos” que parecem pertencer a filmes diferentes (aqui um drama existencial, ali um filme de guerra), mesmo que com algumas boas ideias pelo meio.
Mas o miscast que atravessa o filme de ponta a ponta, com um conjunto de actores assaz estimável dolorosamente desajustados (e o Moisés de Christian Bale é o tipo de líder torturado e habitado que o actor por esta altura já faz em piloto automático), não ajuda nada. E pior é a ausência de grandeza, espectáculo, vibração em Exodus: Deuses e Reis, que se vê prisioneiro numa série de imagens de inatacável beleza visual mas às quais falta alma, direcção, garra. O Noé de Darren Aronofsky podia ser falhado, mas tinha uma ambição; Scott limita-se a aplicar o seu talento de construtor de universos, como se nem ele próprio acreditasse no que está a fazer.