Síria, um mapa de atrocidades com bombas de cloro e execuções em público
Após três anos de guerra, até "a aparência de respeito pela lei internacional" desapareceu. Comissão de inquérito da ONU acusa o regime sírio e os jihadistas de crimes contra a humanidade.
“O fracasso da comunidade internacional em relação aos seus deveres mais elementares […] tem sido acompanhada no terreno pelo abandono até da aparência de respeito pelas normas da lei internacional”, lamentou Paulo Pinheiro, chefe da comissão de inquérito criada em 2011 para investigar os crimes cometidos a pretexto da guerra na Síria, na apresentação do oitavo relatório, que cobre o primeiro semestre de 2014.
A lista é cada vez mais longa, os métodos de assassínio cada vez mais brutais. Nas 45 páginas do relatório, os investigadores dizem que “existem motivos razoáveis para acreditar que armas químicas, provavelmente cloro, foram utilizadas” em pelo menos oito ocasiões durante o mês de Abril. O agente asfixiante, acreditam os investigadores, foi colocado em barris de explosivos lançados de helicópteros militares sobre zonas controladas pela oposição – um método que se tornou frequente, sobretudo em Alepo, a segunda maior cidade da Síria.
As primeiras denúncias foram feitas ainda em Abril pela Amnistia Internacional. Na altura, eram citadas testemunhas que diziam ter visto visto bombas que, ao explodirem, lançaram no ar um gás esverdeado (a cor do cloro no seu estado puro) e médicos que davam conta de vítimas com sinais de asfixia.
Apesar de ser um químico com inúmeros fins, o cloro é altamente tóxico, tendo sido usado pela primeira vez como arma na I Guerra Mundial. A sua utilização em contexto de guerra é proibida pela Convenção para a Proibição das Armas Químicas, que a Síria ratificou em 2013 depois de, na sequência dos ataques com gás sarin contra os subúrbios de Damasco, se ter comprometido a destruir todo o seu arsenal – operação que ficou concluída no final de Junho.
A comissão de inquérito dá também crédito às quase 27 mil imagens entregues por um desertor sírio, que durante anos fotografou milhares de cadáveres de prisioneiros, com sinais de terem sido torturados, espancados ou mortos à fome. As imagens apoiam “conclusões antigas sobre tortura sistemática e a morte de detidos” nas prisões do regime, diz o relatório, que aponta ainda as detenções em massa quase sempre que uma zona cercada pelas forças leais a Bashar al-Assad se rende.
O Estado Islâmico (EI), que no período coberto pelo relatório selou o seu domínio como principal força da oposição a Assad e se apoderou do Oeste do Iraque, é acusado de um conjunto não menos mais atroz de crimes.
Nas zonas sob o seu controlo, em Raqqa (Leste) e Alepo (Norte) “as execuções públicas tornaram-se um espectáculo habitual às sextas-feiras”, com pessoas a serem decapitadas ou mortas a tiro, na presença de crianças. “Os corpos são expostos, muitas vezes em crucifixos, para servirem de aviso aos residentes”, acrescenta o relatório, no qual se denunciam também amputações e mulheres chicoteadas por não cumprirem o código de vestuário decretado pelos radicais.
A ONU alerta igualmente para o recrutamento forçado de menores e avisa que os Estados Unidos, quando ponderarem ataques contra os campos de treino dos jihadistas, “devem ter em conta as leis da guerra e a presença de crianças na zona”. Do que a comissão de inquérito não tem dúvidas é de que as atrocidades cometidas pelos EI “representam crimes contra a humanidade” e que o grupo constitui “uma ameaça clara e directa para os civis, em particular as minorias”.
Razões mais do que suficientes para que Paulo Pinheiro tenha voltado a pedir ao Conselho de Segurança da ONU que envie o dossier sírio para o Tribunal Penal Internacional (TPI). Os investigadores continuam a acrescentar nomes à lista de indivíduos que devem ser alvo de investigação e julgados, mas, até que o Conselho dê o seu aval, o documento vai continuar selado.