Professores a mais ou alunos a menos?
Segundo dados divulgados pelo Eurostat, o abandono escolar precoce em Portugal era ainda superior a 21% em 2012. Isto significa que abandonaram a escola mais de 170.000 jovens que não concluíram o ensino secundário. São jovens que estão a iniciar a sua vida no mercado de trabalho sem terem as qualificações mínimas hoje exigidas no espaço europeu.
Curiosamente, este problema foi retirado da agenda política. O debate público sobre educação está a ser feito sem referência a objetivos estratégicos e, por isso, refém de objetivos de curto prazo de redução da despesa pública em 4000 milhões de euros. Têm sido apresentadas como inevitáveis medidas de política como a diminuição do número de professores, a colocação de professores com horário zero na mobilidade especial e o alargamento geográfico dos quadros de zona pedagógica.
A existência de professores com horários zero não significa necessariamente que estão a mais no sistema, mas apenas que foram colocados em escolas que não têm alunos em número suficiente ou ofertas formativas adequadas ao seu grupo de docência. As questões que podemos colocar são as seguintes: porque não podem estes professores ser transferidos para escolas onde há falta de professores e onde poderiam ter alunos? Porque não organizam as escolas, por exemplo, cursos para adultos ou atividades de recuperação para alunos em risco de abandono, criando assim horários letivos para os professores com horário zero? Dois tipos de obstáculos têm dificultado estas respostas mais inteligentes.
Em primeiro lugar, os obstáculos à mobilidade decorrentes da rigidez geográfica e funcional. No primeiro caso, a existência de quadros de zona pedagógica impede, por exemplo, que um professor do quadro de Setúbal possa ser colocado numa escola em Lisboa. No segundo, a existência de um número excessivo de grupos de docência e recrutamento impede, por exemplo, que um professor de Inglês do ensino secundário ensine inglês a alunos do segundo ciclo. Diminuir a rigidez na colocação de professores implicaria, por um lado, acabar com os quadros de zona pedagógica e dotar todas as escolas e agrupamentos de quadros próprios e de autonomia para suprir as necessidades não permanentes e, por outro lado, reduzir significativamente os atuais cerca de 30 grupos de docência ou de recrutamento, promovendo uma maior integração vertical e disciplinar.
Em segundo lugar, os obstáculos decorrentes da falta de autonomia das escolas e da falta de visão na política educativa. Nos últimos dois anos as escolas perderam muita autonomia na organização de cursos profissionais, cursos de educação e formação e cursos de formação de adultos, a qual lhes tinha permitido diversificar a oferta formativa e canalizar o tempo disponível dos professores. Com a autonomia as escolas conseguiram, entre 2006 e 2011, aumentar em cerca de 10% o número de alunos com mais de 15 anos, conquistando-os para a escola e criando oportunidades de conclusão do básico e de prosseguimento de estudos no secundário em cursos profissionais. Essa autonomia acabou. Hoje são os serviços do Ministério da Educação que ditam e limitam as ofertas formativas, forçando as escolas a diminuir o serviço público de educação, o número de disciplinas e o número de cursos que podiam oferecer, gerando mais e mais horários zero e irracionalidade na gestão dos recursos públicos.
Não se compreende pois em que dados se baseiam as ideias de que existem professores a mais e de que é inevitável, necessário e desejável reduzir a despesa pública em educação. Ainda se compreende menos como se compagina a diminuição do número de professores com o cumprimento das metas definidas para o abandono escolar precoce e para a redução dos défices de qualificação. No recenseamento da população de 2011 estão registados mais de 2,3 milhões de adultos empregados sem o ensino secundário, dos quais 532.000 têm menos de 34 anos. Será que isto deixou de ser um problema para a política de educação?
A política educativa vive, atualmente, ensombrada pelo fantasma da redução da despesa e está a ser pensada tendo em conta apenas o número de crianças e jovens que estão hoje na escola. Tem havido incapacidade de olhar para o conjunto das necessidades do país em matéria de qualificações, de olhar para os milhares de jovens que estão na escola mas em risco de a abandonar, ou dos milhares de jovens e adultos que já não estão na escola mas que precisam de formação escolar. Estes últimos são pelo menos dois milhões. De quantos professores vamos precisar para resolver este problema? Será que o cumprimento do défice orçamental nos obriga mesmo a ter de desistir do essencial? Não há outras alternativas de poupança?
Se a superação do problema da qualificação dos portugueses deixar de ser um objetivo mobilizador, então a redução do défice e da despesa pública não têm qualquer utilidade nem sentido, porque no final ficaremos não apenas mais pobres, mas também muito mais diminuídos na nossa capacidade de construir o futuro.
Maria de Lurdes Rodrigues é presidente da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento e professora de Políticas Públicas no ISCTE-IUL. A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico.