Cerco internacional à corrupção vai afectar negócios com Angola
Oficialmente nada indica que o primeiro-ministro aborde o tema da transparência numa visita que quer impulsionar as relações económicas bilaterais.
À edição de quarta-feira do Jornal de Angola, Passos Coelho disse que vê com "muito bons olhos a participação do capital angolano na economia portuguesa e noutras privatizações que o Estado venha a realizar no próximo ano" - citando a TAP, ANA, CTT e empresas no sector dos transportes. Não falou da Galp, mas este é um dossier inevitável pela ligação da Sonangol à petrolífera portuguesa e pelo diferendo accionista nesta empresa.
Questionado pelo PÚBLICO sobre se iria abordar o tema da transparência em Angola à luz das mudanças internacionais, o primeiro-ministro respondeu através do seu gabinete: "A visita servirá para fazer o ponto de situação sobre os principais aspectos das relações políticas e económicas entre os dois países." Concretamente sobre uma proposta de directiva da Comissão Europeia que exige transparência nos negócios de petróleo, gás e diamantes, Passos disse ser "uma questão complexa", que está "em análise" em departamentos como "o Ministério das Finanças e Ministério dos Negócios Estrangeiros".
Apesar da resposta vaga de Passos Coelho, duas medidas recentes, uma americana e outra europeia, estão a forçar a transparência sobretudo nos negócios do petróleo em países como Angola. Nos EUA, vai já entrar em vigor em Janeiro a secção 1504 da lei de reforma financeira "Dodd-Frank" que exige às empresas cotadas em bolsa que detalhem nos relatórios financeiros todos os pagamentos, projectos e governos estrangeiros envolvidos em negócios de petróleo, gás e minérios. A lei pode ter um "grande" impacto global, por "clarificar e tornar o ambiente de negócios mais saudável", antevê António Costa e Silva, presidente executivo da Partex, petrolífera da Gulbenkian.
Também a Comissão Europeia (CE) acabou de aprovar um pacote de medidas que segue a mesma obrigatoriedade e que, a passar a lei, entra em vigor não antes de 2014 - vai agora para o Parlamento Europeu e Conselho de Ministros para ser aprovado.
Organizações internacionais incluem Angola no grupo dos países com índices preocupantes de corrupção: no último relatório de 2010 da Transparência Internacional, aparece no 10º pior lugar em 178, com 0% no indicador "adopção de programas anticorrupção". Na terça-feira, o presidente do Banco Espírito Santo Angola, Álvaro Sobrinho, foi interrogado no Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa por suspeita de fraude no Banco Nacional de Angola (ver pág. 23). A situação já está a afectar o sistema financeiro angolano, com reflexos indirectos na imagem do terceiro maior banco português, o BES.
O petróleo, gerido pela empresa estatal Sonangol, representa 60% do PIB e 98% do total das exportações angolanas. Embora tenha publicado as suas contas, a petrolífera foi acusada de "esconder" "milhares de milhões de dólares" pelas organizações Global Witness e Open Society Initiative for Southern Africa - porém, não há acusações directas de corrupção à empresa.
Questionado sobre se a falta de transparência é um problema para as relações económicas e políticas entre Portugal e Angola e para as empresas portuguesas em Angola e angolanas em Portugal, o primeiro-ministro disse: "As relações luso-angolanas, designadamente na área económica, possuem um quadro jurídico próprio, que procuramos aperfeiçoar constantemente, e é nesse quadro que elas se processam."
O petróleo é o produto que Portugal mais importa de Angola, país visto como um parceiro estratégico: é o principal destino das exportações nacionais fora da União Europeia e Portugal é a principal origem das importações angolanas. Os grandes grupos bancários portugueses estão em Angola (BES, Millennium bcp, Caixa Geral de Depósitos (CGD)/Totta, BPI) e há capital angolano no BCP, BPI, Banco BIC Português, que está a ultimar os detalhes de compra do BPN.
A empresa portuguesa mais valiosa que lidera os investimentos portugueses em Angola, a Galp, é detida em 15% pela Sonangol por via da Amorim Energia (da qual a Sonangol detém 45%). O presidente da Sonangol, Manuel Vicente, é vogal da administração da Galp. Através da CGD, o Estado tem 1% da Galp, mas tem de o vender até ao fim do ano, segundo a troika.
A Amorim Energia e a holding da Sonangol não se entendem sobre o nome do próximo chairman da petrolífera. Questionado sobre este assunto, o primeiro-ministro disse que "o Governo não interfere na gestão privada".
As leis americanas e europeia querem regular um mercado que movimenta milhares de milhões de dólares. Os negócios das empresas extractivas norte-americanas cotadas em bolsa representam dois milhões de milhões e a zona euro 889 mil milhões, diz o instituto Revenue Watch. Estima-se que entre 1970 e 2008 foram desviados em África 854 mil milhões de dólares.
O primeiro-ministro, que praticamente não leva comitiva nesta viagem, tem encontros marcados com o presidente da Assembleia Nacional, Paulo Kassoma, com o líder da oposição, Isaías Samakuva, com empresários dos dois países e visita obras em execução por empresas portuguesas. Passos volta amanhã de manhã a Lisboa.