Vaticano esclarece que declarações do Papa não são “revolucionárias”
A Santa Sé salienta que Bento XVI quis reiterar que o problema da sida “não pode ser resolvido através da distribuição de preservativos”, mas para activistas do combate à sida e para a ONU estas declarações são “um passo significativo e positivo”.
As declarações de Bento XVI, que desde sexta-feira têm causado reacções em todo o mundo, vão ser publicadas no livro "Luz do Mundo", da autoria do jornalista alemão Peter Seewald, que será publicado amanhã em Itália e vários outros países e chega a Portugal a 2 de Dezembro. E a frase do livro que tem sido mais citada é aquela em que o Papa defende que, em alguns casos, o uso de preservativo “pode ser o primeiro passo para a moralização” da sexualidade, “um primeiro acto de responsabilidade”. Como exemplo referiu-se ao caso da prostituição.
O porta-voz do Vaticano, Frederico Lombardi, salientou que o Papa “não quis tomar posição sobre a questão do uso do preservativo em geral”, mas antes “sublinhar que o problema da sida não pode ser resolvido através da distribuição de preservativos”, adiantou a AFP. Lombardi reconheceu, no entanto, que apesar de outros teólogos e eclesiásticos terem já defendido posições semelhantes, “até agora nunca tínhamos ouvido isto com tanta clareza vindo da boca de um Papa, ainda que de forma informal e não oficial”.
Para o porta-voz do Vaticano, no entanto, não se podem considerar as afirmações de Bento XVI “revolucionárias”, mas sim um contributo “corajoso e original” para um debate sobre a sexualidade responsável.
As declarações de Bento XVI foram saudadas por católicos liberais, activistas no combate à sida e organizações internacionais. O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, considerou que Bento XVI foi “pragmático e realista” (ver entrevista na página 2) e também o director executivo da agência das Nações Unidas para o combate à sida, ONUSIDA, Michel Sidibé, disse que esta posição é “um passo significativo e positivo” e que “vai ajudar a acelerar a revolução para a prevenção da sida, ao promover um enfoque baseado nos direitos humanos para alcançar o acesso universal à prevenção e tratamento”. Este organismo da ONU tem defendido o uso do preservativo como parte fundamental para a contenção de uma doença que atinge 7000 pessoas por dia em todo o mundo.
“A grande surpresa do novo livro não é o facto de Bento XVI acreditar que a Igreja Católica pode permitir o uso de preservativo para prevenir a disseminação da sida em algumas circunstâncias, mas o facto de ter demorado tanto tempo a dizê-lo”, escreveu Tom Heneghan, editor de questões religiosas da Reuters. Alguns analistas sublinharam que o Papa estaria a referir-se a excepções como os casos de prostituição masculina, onde não estaria em causa a questão da procriação. Janet Smith, conselheira do Vaticano e professora de ética no Seminário do Sagrado Coração, em Detroit, EUA, disse à Reuters que “o Santo Padre observou simplesmente que para alguns prostitutos homossexuais, o uso de preservativo pode indicar um despertar da moralidade, um reconhecimento de que o prazer sexual não é o valor mais elevado.”
Os activistas da luta contra a sida interpretaram as declarações de Bento XVI como “uma mudança significativa na tradição da linha dura do Vaticano”, como lhe chamou Peter Tatchell, militante pelos direitos dos homossexuais no Reino Unido, ou “uma porta que se abre”, como disse ao "El Mundo" Gérard Guérin, responsável da organização francesa de cristãos contra a sida para quem esta posição “permitirá a libertação de muitas pessoas que actualmente se confrontam com um mar de dúvidas”.