Palestinianos cépticos elegem hoje sucessor de Yasser Arafat
Ontem, a principal incógnita era quantos dos esperados dois milhões de eleitores palestinianos conseguirão ir às urnas, já que para além da ameaça de incursões militares, responsáveis palestinianos queixaram-se dos procedimentos nos "checkpoints" que "continuam os mesmos", apesar da promessa de Israel facilitar as movimentações. O cepticismo de muitos palestinianos e o apelo ao boicote feito pelo Hamas (que não apresentou nenhum candidato) também deverão influenciar o nível da abstenção.
Quanto ao líder que se espera que seja o mais votado, é um líder novo - mas a pose é familiar, e mensagem também. "Hoje sentimos a falta de Yasser Arafat, mas a sua alma está entre nós. Deveremos manter-nos fiéis à promessa de que o menino e a menina palestinianos vão erguer a bandeira palestiniana nos minaretes de Jerusalém."
Assim falava Mahmoud Abbas (Abu Mazen) o candidato oficial da Fatah para as presidenciais , num comício em Nablus, Cisjordânia, na semana passada. Também prometeu "fazer o seu melhor" para tirar os colonatos judaicos de terra palestiniana ocupada e assegurar o direito de retorno. Esses são temas comuns a Arafat e todos os outros seis candidatos. Mas Abbas falou também de outros temas.
"Respeito a Intifada que conseguiu muitas conquistas, mas sou contra o caos armado", disse, numa clara alusão às milícias que reinam cidades como Nablus, às vezes em nome de Arafat e da Fatah.
Mais, prometeu um regresso imediato às conversações de paz com Israel se for eleito. "Vamos pôr o 'Roteiro' para a paz na mesa e vamos dizer que estamos prontos para o cumprir completamente."
Estes temas explicam por que é Abbas a escolha da Fatah e por que a sua eleição como presidente da Autoridade Palestiniana no domingo é quase certa. Por um lado, ele posiciona-se a si mesmo como o herdeiro fiel do legado de Arafat, "prometendo negociar com Israel na base de princípios sólidos, como a soberania palestiniana em Jerusalém Oriental, o direito de retorno e um estado palestiniano independente", diz o líder da Fatah em Nablus, Dalal Salami.
Por outro, promete mudança a um povo farto de quatro anos de Intifada e dos enormes castigos israelitas que ela trouxe. E está a fazê-lo questionando a sabedoria da luta armada enquanto estratégia.
"A Intifada nunca foi uma escolha estratégica", diz Dalal. "Foi um protesto pelo falhanço do processo de paz de Oslo. E a maior parte dos palestinianos querem que acabe ou que seja reavaliada. Abbas é o único que pode pedir esta reavaliação e oferecer uma alternativa."
A "alternativa" de Abbas é ilusoriamente (alguns dirão ingenuamente) simples. Ainda que ele diga que quer um compromisso com Israel, nem ele nem ninguém acredita que isso seja possível enquanto Sharon e Bush estiverem no poder.
Assim, o objectivo é voltar à primeira fase do "Roteiro" para a paz, o plano projectado pelos EUA, Rússia, UE e ONU em 2003. Isto quer dizer que os palestinianos têm de acabar com a violência contra Israel "em qualquer lugar" e Israel acabar com a violência, os bloqueios das cidades palestinianas e a colonização.
O problema de Abbas é que Israel (e os EUA) quer não só o fim da violência mas que a AP aja contra movimentos como o Hamas. Abbas poderá cumprir a primeira, mas não a segunda, diz o analista palestiniano Khalil Shikaki.
"O melhor que podemos esperar de Abbas é que consiga um cessar-fogo das facções palestinianas. E até isto dependerá de dois factores: irá Israel honrar o cessar-fogo? E irá Abbas dar às facções um meio de afectarem, de modo alternativo, a política nacional e a tomada de decisões? A melhor maneira de o fazer seria realizar eleições parlamentares em que participassem todas as facções."
As eleições parlamentares estão marcadas para Julho - e sete meses é muito tempo no Médio Oriente. É por isso que o optimismo da comunidade internacional é visto com cepticismo pelos palestinianos. Afinal, eles já passaram por isso antes.
Em 2003 Abbas foi empossado primeiro-ministro palestiniano num ambiente de esperança de que isso quisesse também dizer avanços nas negociações de paz. Mas o seu mandato durou menos de três meses, destituído de sentido não só pela obstrução de Arafat (que resistia à diminuição dos seus poderes) mas também de Sharon, que se recusou a acabar com as suas políticas de assassínios e bloqueios nos territórios ocupados. O medo é que a esperança de mudança não dure mais desta vez.