Ruben A. revisita D. Pedro V

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D. Pedro V, já rei, retratado com a estola de arminho real dr

A história de um rei pela mão de um romancista, ou de como a figura de D. Pedro V e o liberalismo foram reinterpretados pelos padrões de uma época de ditadura

D. Pedro V por Ruben A. é uma experiência de puro prazer. É puro prazer o que se sente ao ler a obra D. Pedro V - Um Homem e um Rei, da autoria de Ruben Andresen Leitão, uma obra marcante publicada em 1950 e há décadas esgotada, agora reeditada pela Leya, sob a chancela da Texto Editora.

Prazer de ler sobre uma figura como D. Pedro V. Prazer de ler um livro escrito por alguém que escreve como Ruben Andresen Leitão escrevia. E prazer imenso de poder ler um livro sobre história com a distância de mais de meio século sobre a sua escrita, podendo gozar o privilégio de ver como a história é a interpretação que cada época faz do passado, o privilégio de perceber como a história do passado se reescreve a cada época de acordo.

A figura de D. Pedro V (n.16/09/1837, f.11/11/1861), o rei intelectual, que reinou apenas seis breves anos, e morreu jovem, aos 24 anos, tudo indica que de febre tifóide, é apresentada por Ruben A. acompanhado e contextualizado na época por um conjunto de reflexões do autor que se prendem e são ditadas pelo período e o contexto histórico em que Ruben A. viveu, ou seja, a ditadura de Oliveira Salazar.

E é na visão de Ruben A. que vai beber muito do que a historiografia subsequente e actual até diz sobre o liberalismo, bem como à mitificação que é feita de D. Pedro V, filho de Maria II, falecida em 1853, data em que o marido Fernando Saxe Coburgo assume a regência do reino até à maioridade de D. Pedro em 1855.

O jovem rei reinou entre 1855 e 1861 e teve como primeiros-ministros o duque de Saldanha e o então marquês de Loulé. Filho de um Saxe Coburgo, viajou pela Europa antes de assumir o trono e tinha uma visão muito própria do que deveria ser a governação.

Nasceu antes do seu tempo

Defendia a centralização do poder no âmbito do que são os nacionalismos do século XIX, a reorganização do exército e a aposta no desenvolvimento do ensino em termos experimentais, incluindo-se nos que são os intelectuais europeus que preanunciam o positivismo. Foi ele, por exemplo, que, a expensas suas, financiou a abertura da Faculdade de Letras de Lisboa e a Faculdade de Letras do Porto.

Podemos assim reencontrar o rei que é apresentado por Ruben A. como precursor, como alguém que nasceu antes do seu tempo num país como Portugal. É o próprio Ruben A. quem diz: "D. Pedro V foi o melhor conhecedor da sua época e o homem mais bem-intencionado que existiu na política do século passado; andou extraviado na época em que viveu, mas nunca, como tantos pretendem dizer, viveu sonâmbulo e pensativo, alheio às manifestações da sua pátria." (p. 45) E insiste: "É este rei o primeiro homem moderno no nosso país; é ele que nos seus escritos proclama insistentemente o que a geração de 70 vai tentar realizar. É, se me perdoam a expressão, o primeiro grito histórico no século XIX depois daqueles anos desmantelados de liberalismo duvidoso." (p.14)

A crítica do liberalismo é, aliás, uma constante ao longo desta obra, escrita para servir de introdução à publicação das Obras Completas de D. Pedro V. "A falta de seriedade dedicada à resolução dos mais importantes problemas que se deparam aos homens das gerações que governam o país no século XIX é um facto que não deve desprezar quem pretenda ter uma visão em que a perspectiva não esteja errada. Havia um interesse individual colocado muito acima do interesse colectivo; o duque de Saldanha, defendendo o regime, constitucional, defendia-se a si próprio e aos seus, obrigando a força a fazer respeitar a lei e a sujeitar tudo ao Ministério da Guerra, ditadura esta muito mais dura e cruel do que as ditaduras habituais." (p.21)

E fazendo claramente uma leitura determinada pelo momento histórico e a época em que Ruben Andresen Leitão viveu, este acrescenta à critica do liberalismo: "Era preciso aparecer alguém, algum português compenetrado do que havia a fazer e que se sacrificasse pelo bem da pátria; era preciso que nos impuséssemos ao mundo como dignos herdeiros dos homens de Quatrocentos, e era preciso compreender a época fantástica que começava a raiar nos diversos países da Europa; finalmente, era preciso um grande espírito de sacrifício e de amor pela pátria portuguesa que até então era desconhecido." (p.36)

A defesa de regimes ditatoriais é clara no texto de Ruben A. e D. Pedro V é apresentado como um precursor do que serão alguns caudilhos e ditadores do século XX. "Certamente parece-me haver no pensamento e na forma de agir de D. Pedro uma forte vontade de realizar por meio da ditadura militar a transição à centralização do poder. (...) Os seis anos do seu reinado não foram acaso mais do que uma preparação para futuras realizações a que o tempo impediu a sua efectivação?" (p. 47), pergunta Ruben A. respondendo mais à frente: "O rei queria atrair ao seu poder os negócios públicos, queria centralizar, tendências estas bem visíveis nos seus escritos. O regime representativo não servia a este homem para pôr em prática tantas ideias e tantos projectos. Era acanhado de mais o sistema em que vivia." (p. 102)

E garante que "o rei era o único homem na nossa terra que possuía as ambições indispensáveis para caminhar firme na linha traçada; era a única pessoa a encarar o futuro tendo fé e alimentando uma esperança em tempos melhores." (p. 119), para concluir: "Não tenho dúvida em afirmar que mais cedo ou mais tarde D. Pedro tomaria conta pessoalmente do poder, único meio de ver realizados os seus planos." (p.121)

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