Portugal Fashion? A luta continua no Porto

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Momento da edição de 2006, realizada no Porto NICOLAS ASFOURI/AFP

O principal evento de moda do Norte cumpre 15 anos de existência. E é tempo de perguntar em que é que ele beneficia a região. Daqui a duas semanas, volta à Alfândega para a 26.ª edição. Por Bruno Horta

a O Portugal Fashion voltou para ficar no Porto. Fez-se a meia dúzia de quilómetros, em Vila Nova de Gaia, durante dois anos. Mas em Outubro passado voltou à Invicta e é aí que se realiza novamente, dentro de duas semanas (dias 19, 20 e 21), no edifício da Alfândega do Porto. Será a 26.ª edição do maior acontecimento de moda do Norte e uma das principais novidades é a presença da dupla de estilistas Manuel Alves e José Manuel Gonçalves, que há nove anos que não participavam no evento.

Ao fim de 15 anos de Portugal Fashion (PF) será que o Norte ganhou alguma coisa? A indústria têxtil desenvolveu-se? Os criativos fixaram-se na região?

Manuel Teixeira, presidente da Comissão Executiva da Associação Nacional de Jovens Empresários (ANJE), que organiza o PF, entende que, "do ponto de vista do local dos desfiles, o PF é sem dúvida um evento do Norte", mas, "do ponto de vista dos criadores, não. É um evento nacional, porque eles são oriundos de várias partes do país, principalmente Lisboa".

O mesmo aspecto, mas com outra formulação, é apontado por Nélson Cardoso, presidente da empresa municipal Gaianima, que está sob a alçada da Câmara Municipal de Gaia. Foi este responsável quem negociou, há dois anos e meio, a entrada do PF em Gaia. "Não tenho qualquer dúvida de que falar do PF é falar do Grande Porto e que se conseguiu criar ao longo destes anos a noção de um movimento de moda a norte, para além do que já existia em Lisboa". Mas houve e há um problema, que foi, aliás, o que levou a Câmara de Gaia a retirar o apoio ao evento: não gerava massa crítica e operadores no terreno. "Era um acontecimento isolado, que não conseguia relacionar-se com a vida sociocultural de Gaia. Era uma visita rápida à cidade", avalia Nélson Cardoso, ressalvando desconhecer os efeitos do PF sobre a indústria. "A nossa ideia era fixar aqui criadores e empresas que se dediquem à venda de moda - e espaço comercial é coisa que não nos falta. Mas isso não aconteceu." Além do mais, acrescenta o presidente da Gaianima, o PF "nunca atingiu um tal nível e uma tal estrutura que levasse outras entidades, além da Câmara de Gaia, a querer viabilizar o evento".

De acordo com os dados de Nélson Cardoso, a câmara gastava 200 mil euros por edição e o El Corte Inglés de Gaia entrava com 60 mil euros. "As iniciativas têm de adquirir sustentabilidade própria, não podem depender para sempre dos dinheiros públicos", sentencia. Ainda assim, reconhece: "O PF tem a maior importância para a região, dá-nos visibilidade e se alguma vez saísse do Norte representaria uma perda."

Em rigor, os desfiles nem sempre foram no Porto ou em Gaia. Em 2000, realizaram-se no Algarve. Em 2001, no Funchal. Em 2002 e 2003, na Figueira da Foz. Isto além das frequentes digressões internacionais do PF por São Paulo, Madrid, Barcelona ou Paris. Mas mantém-se o "ADN nortenho", como lhe chama Paulo Vaz, director-geral da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP), parceira da ANJE na organização. "Nos palcos internacionais ninguém acha que a moda apresentada pelo PF é moda do Porto ou do Norte", diz. "Mas a origem está aqui, por duas razões: o PF foi fundado pela ATP e pela ANJE, duas associações com sede no Norte, e relaciona-se com indústria têxtil, que, como se sabe, tem a sua maior expressão nesta zona."

Sobre os efeitos do evento na indústria, Paulo Vaz é optimista: "Há 15 anos, o sector têxtil e do vestuário português estava ainda conotado com a competência industrial e era essencialmente subcontratado por empresas estrangeiras." Entretanto, mudou muito. "Conseguimos atingir os chamados factores críticos de competitividade: o design, a criatividade ou a inovação tecnológica." E isso, conclui o director-geral da ATP, é fruto do PF. "Desse ponto de vista, tem sido um sucesso." Exemplos? Segundo este responsável, José António Tenente, Luís Buchinho, Maria Gambina e Miguel Vieira, entre outros, trabalham directamente com fábricas do Norte. Porém, apurou o Cidades, essa colaboração extinguiu-se nos últimos meses, devido à crise económica e financeira: a marca Jotex, de Luís Buchinho, e a produção das calças de ganga Tenente Jeans e Miguel Vieira Jeans estão paradas.

De resto, os dados disponíveis no site da ATP confirmam que entre 2003 e 2008 houve quebras acentuadas no negócio têxtil: o volume de negócios reduziu-se em quase dois milhões de euros, de 8,1 para cerca de 6,3, com a respectiva quebra no número de postos de trabalho.

A ATP é uma associação de cerca de 600 empresas do sector têxtil e do vestuário. Cerca de 80 por cento dessas empresas estão situadas nos vales do Ave e do Cávado.

Colocado perante a crítica constante, feita sobretudo por designers de moda, de que a indústria, apesar da evolução, ainda não se aproximou o suficiente dos estilistas, Paulo Vaz fala na necessidade de "um processo permanente de diálogo". "Os criadores nem sempre têm a noção dos custos de produção, às vezes desenham coisas que se fossem fabricadas atingiriam valores astronómicos e seria impossível vendê-las." Mas a indústria também tem responsabilidades: "Por vezes, desvaloriza o papel do criativo".

Neste momento, o PF é financiado quase exclusivamente pelo fundo europeu QREN (Quadro de Referência Estratégico Nacional). "O apoio das câmaras não é neste momento decisivo", afirma Manuel Teixeira, da ANJE, explicando que a ida para Gaia ocorreu numa altura de transição entre o último Quadro Comunitário de Apoio (2000-2006) e o início da aplicação do QREN. Um período difícil, em que Gaia surgiu como a luz ao fundo do túnel. O regresso ao Porto, em Outubro último, aconteceu porque o acordo entre a ANJE e a autarquia gaiense chegou ao fim e o QREN já estava em vigor. Sobre a permanência no Porto, o Cidades tentou ouvir a opinião da câmara local, mas, apesar das tentativas, ninguém da autarquia esteve disponível para falar sobre o tema.

A ANJE terá recebido convites de outros municípios do Norte. Manuel Teixeira não quer concretizar. À luz das regras do QREN, só podem beneficiar dele as regiões do Alentejo, do Centro e do Norte. "No Alentejo, não estou a ver. Talvez no Centro, mas também não podemos ir para qualquer sítio, tem de ser uma cidade com bons acessos, bons espaços e logística", diz este responsável. Por isso, conclui: "Neste momento, não estamos a pensar sair do Porto".

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