Fizeste-o de novo, Mendoza, brilhante!

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Brillante Mendoza filmou o heroísmo terminal de duas avós

Depois de ter sido o autor do melhor filme em competição no Festival de Cannes, Kinatay, Brillante Mendoza mostra no final da competição de Veneza o melhor filme em concurso: Lola

a Manila dissolve-se na chuva e no vento, e Lola é filme de ir às lágrimas. O filipino Brillante Mendoza fê-lo de novo: depois de ter sido o autor do melhor filme em competição no Festival de Cannes, o brutal Kinatay (valeu-lhe o prémio de melhor realizador, mais alguns ódios de estimação para além dos fervores de admiração que já conquistou), marca este quase-final da competição do Festival de Veneza com o melhor filme em concurso. Como sempre no cinema de Mendoza, realizador de 49 anos que começou nas longas-metragens de cinema relativamente tarde, aos 45 anos, com Massagista (2005), mas que está a recuperar tempo perdido, este é mais um filme em que um percurso árduo constitui prova de vida, um teste à humanidade - onde estão os resíduos dela quando se vive abaixo da dignidade? Com ocasional encontro com a brutalidade e com o macabro. Era assim numa sala de cinema em Serbis (2008) - exibido no último IndieLisboa -, foi assim no término de uma viagem ao fim da noite pelos subúrbios de Manila em Kinatay.
Cruzam-se em Lola duas mulheres. Uma é a avó de um suspeito de assassinato; a outra é a avó da vítima. Ambas pobres, fracas, atravessam a tempestade que se abate sobre Manila para conseguirem dinheiro: para o funeral, no caso de Lola Sepa, para pagar a caução que permita que o neto aguarde o julgamento em liberdade, no caso de Lola Puring. Heroísmo terminal, como velas acesas numa tempestade: Mendoza olha para estas figuras como representantes de um mundo que ainda tem résteas da dignidade que a cidade já dissolveu, família e afecto há muito levados pela água. E esse olhar é das coisas mais comoventes que o cinema contemporâneo tem para nos oferecer, e não há muito cinema contemporâneo que nos ofereça isto.
E no entanto, para alguns ele é conhecido (até odiado) por ir até ao fim das coisas - mais um pouco e as sequências finais de Kinatay provocavam uma sublevação de alguns espectadores e críticos em Cannes. Em Lola não há, em termos figurativos, essa prova final. O fim até é de acordo: a avó da vítima concorda, a troco de dinheiro, retirar a queixa e o julgamento é anulado. Mas essa aparente pacificação é sinal da profunda amoralidade e injustiça do mundo onde vivem as personagens de Mendoza, sujeitas à lei da sobrevivência. E isso é tão monstruoso como os índices de macabro de outros filmes do realizador - está tudo num plano muito breve, o do fim, quando as avós saem do tribunal, e um cortejo oficial, altos dignitários, membros do Governo, o que quer que seja, passam em fundo.
A dois filmes do final da competição desta edição - Mr. Nobody, de Jacob Van Dormael, e A Single Man, de Tom Ford -, a competição de Veneza viu La Doppia Ora, de Giuseppe Capotondi, Soul Kitchen, do alemão Fatih Akin, The Traveler, do egípcio Ahmed Maher.
O primeiro é, apesar de tudo, o melhor italiano em competição. Mas fica a sensação que Capotondi perde o espectador para esta história de manipulação - encontro de duas solidões, a de uma mulher e a de um homem, ela empregada de um hotel, ele segurança; ela, afinal, membro de um gang que o escolheu a ele como alvo de um "golpe" - por excesso de manipulação, por mostrar virtuosismo de argumento: às tantas quase toda a primeira parte do filme é apresentada como... sonhos, pesadelos e premonições de alguém, a rapariga, que estava em coma.
Fatik Akin pinta a traço grosso - não vem daí mal ao mundo, mas... - um grupo de personagens de Hamburgo que faz de um restaurante, o Soul Kitchen, o seu lar. Nem turbulento como A Noiva Turca, nem grave como o melancólico Do Outro Lado, fica-se nas meias-tintas. Não vem daí mal ao mundo, mas é obviamente débil.
E The Traveler, que conta a vida de uma personagem em três dias cruciais da sua existência - em 1948, em 1973, em 2001, altura em que essa personagem tem o corpo e o rosto de Omar Sharif - mostra tamanha fixação e amor por Fellini, sobretudo por La Nave Va, que podia ser fácil gostar dele. Mas o amor de Ahmed Maher não é coisa viva, é uma cerimónia cinematograficamente inerte.

Vasco Câmara é crítico de cinema

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