Bruno Aleixo O esplendor de Portugal

É a mais inusitada figura de culto do humor nacional: Bruno Aleixo é um cãozinho com uma mantinha, de 51 anos, que tem opiniões sobre tudo. Tem um sotaque entre a Bairrada e São Paulo, tem de ter sempre razão.
Por trás dele estão três rapazes que não planeavam ser humoristas

a Não pode haver coisa mais estranha que isto: liga-se a televisão na SIC-Radical aos domingos às 20h30 e tem-se: um cãozinho embrulhado numa manta a falar com um busto. Eles conversam durante vinte e tal minutos numa espécie de talk-show que inclui jogos com os espectadores (e o jogo até dá prémios), contar um mito urbano (ou rural), comentários a notícias, apresentação de um filme da semana, uma entrevista a uma celebridade (ou uma semicelebridade) e a finalizar um número musical. Chama-se O Programa do Aleixo e é o mais recente programa de culto da SIC-Radical. Aleixo é Bruno Aleixo, o cão acima mencionado: tem 51 anos, mora nos arredores de Coimbra-B, passa a vida no Aires (o café da zona), tem opinião sobre tudo, uma galeria de amigos quase caricatural e um universo muito próprio: é o tipo de homem (salvo seja) que põe veneno nas maçãs para afastar a miudagem, que em vez de oferecer prémios verdadeiros aos participantes do programa dá a tralha que tem em casa. E que torna cada assunto numa rábula acerca da sua própria vida.
Sabemos tudo isto através das conversas entre Aleixo e o busto (que se chama Busto). O mais interessante dessas conversas é que são sobre absolutamente nada - a menos que considerem a clonagem de pão-de-ló ou concursos de vinho traçado com 7Up assuntos importantes. São vinte e tal minutos em que não se fala de nada e no fim Aleixo ganha sempre. Com tiradas absurdas, pérolas de sabedoria anacrónicas, ditos populares de antanho, Bruno Aleixo dá um show português: é uma espécie de cúmulo da sabedoria de café, um avatar da mesquinharia espertalhona que sabe sempre tudo.
Essas tiradas - saídas de um mundo que já não existe - são metade da razão do culto à volta d'O Programa do Aleixo. A outra metade é a voz de Aleixo: frases curtas, em que as últimas sílabas da última palavra são acentuadas, ditas num inenarrável e caricatural sotaque rural com tiques brasileiros. A voz de Bruno Aleixo é de João Moreira. A voz de Busto é de Pedro Santo. Eles são os guionistas do programa e dois terços da equipa criativa do Aleixo - resta João Pombeiro, autor dos bonecos e realizador. No dia em que o P2 foi conhecê-los Pombeiro não apareceu: estava de cama, com gripe, há 15 dias.
Santo e Moreira parecem por vezes um casal antigo, sempre com pequenas discussões. As rábulas entre os dois são constantes: discutem "Como é que se chama o cabelo dos pinheiros", desafiam-se para ver quem é que sabe "O nome dos estados do Brasil", discutem "Qual é a carta que se usa para fazer de manilha na sueca em Lisboa". E levam cada um destes temas ao cúmulo da irrisão. O próprio vocabulário que usam numa conversa normal é caricatural: Moreira usa expressões como "troley" e "troço" para definir a mala do fotógrafo do P2, diz "rôpeiro" em vez de "armário", diz de si mesmo ser "néscio" e emprega formas verbais, digamos, inesperadas como "se quereides comer".
Psicologia do humor
Moreira nasceu em Coimbra, mas o pai era da Bairrada e a mãe é brasileira, e o sotaque e as expressões de Aleixo vêm daí. Numa curiosa tirada num dos episódios, Aleixo dizia - "os meus clubes de futebol preferidos é: União de Coimbra, Anadia e Portuguesa dos Desportos". Entre a troca do "são" pelo "é" e o sotaque de Aleixo a frase torna-se hilariante.
Mas esta personagem podia muito bem nunca ter chegado à televisão. Antes de mais, nenhum deles planeou ser humorista. Moreira, de 28 anos, estudou Pintura em Coimbra (também fez rádio na RUC, a Rádio Universidade de Coimbra) e Santo, também de 28 anos, estudou Sociologia no ISCTE. Santo diz que "isto não é um sonho de garoto" e acrescenta que nem em adulto pensou em conseguir isto - "mesmo que pensasse, não fazia ideia de como chegar lá".
O nascimento de Bruno Aleixo, bem como o encontro de Santo com Moreira, é um conjunto de acasos, azares, golpes de sorte, falta de trabalho, demasiada imaginação e muita falta de dinheiro. A história, aliás, é quase inacreditável.
Depois de estudar Pintura, Moreira foi para Lisboa estudar guionismo, um curso de um ano na Restart. Na altura tinha "um amigo de paródia com quem fazia coisas parvas porque sim". Um dia arranjaram o número de telefone de Fernando Alvim e resolveram dizer-lhe que estavam a fazer um mestrado em Psicologia do Humor e por isso queriam entrevistá-lo. "Ele ficou muito honrado, foi muito cordato. Na suposta entrevista percebemos que tínhamos um amigo comum que escrevia para a revista 365 [propriedade de Alvim]. Ele pediu-nos para mostrarmos o que escrevíamos, gostou e convidou-nos logo ali para escrever para o Boa Noite, Alvim [talk-show de Alvim na SIC-Radical]."
A história de Santo não é menos mirabolante. Depois de acabar Sociologia andava a fazer tratamento de dados no ISCTE - era o seu único trabalho. Descobriu um blogue de Nuno Markl na Net e deixou "um comentário a picá-lo". Depois começaram "a trocar galhardetes na caixa de comentários". Pombeiro - que é seu primo - juntou-se a ele e tornaram-se "os velhos do Marretas" da caixa de comentários de Markl. A actividade era levada tão a sério que Markl quis conhecê-los. "Ele apresentou-nos ao Alvim, que precisava de gente para escrever. Basicamente, o critério de selecção era nulo."
Santo apareceu em casa de Alvim caído de pára-quedas. "E lá estava o Moreira." Isto em Fevereiro de 2007.
Na terceira série do talk-show Santo e Moreira eram "directores de conteúdos". Moreira: "A gente propôs-se mudar o tom do programa, dar-lhe coesão. Quando vi que não conseguia, falámos, eu saí e amigos como dantes." Pedro Santo continuou, mas entretanto tinham ganho uma personagem: "Quando eu saio já estávamos a fazer o Bruno Aleixo. Os conselhos chegaram a ser pensados para o Boa Noite, Alvim", conta Moreira.
Os "conselhos" que Moreira menciona foram a primeira aparição de Bruno Aleixo e encontravam-se na Net. Eram pequenos vídeos de um minuto, com uma encarnação anterior do bonequinho (na altura não era um cão mas sim um Ewok da Guerra das Estrelas), em que Aleixo deixava conselhos para os mais novos. Foram passando através do YouTube e foi assim que Aleixo, muito antes de surgir em talk-show, se foi tornando figura de culto. Ao ponto de muita gente pensar que Bruno Aleixo era uma pessoa chamada Bruno Aleixo que se escondia atrás daquele bonequinho.
Na altura Santo e Pombeiro co-escreviam "webisódios" (sketches para a Net) para o blogue de Nuno Markl, "à volta de faux pas sociais", conta Santo. "Nenhum de nós os três tinha emprego e começámos a ter ideias e a pregá-las a quem conhecíamos." Markl quis fazer um sketch com David Fonseca, dividido em duas partes. Para a segunda parte, explica Santo, precisavam de uma voz off e o Moreira fez a sua (a tala do sotaque rural com tiques brasileiros à mistura).
Humor nonsense
A descoberta da mais-valia da voz de Moreira levou-os a criar uma rubrica para a Antena3 chamada Rosa Mota. Vieram-se embora mas o modelo da rubrica já se assemelhava ao que se encontra no Programa do Aleixo. "Era Aleixo, mas embrionário", conta Pedro Santo, antes de explicar que o nascimento de Bruno Aleixo se deu por necessidade. "O Aleixo veio depois porque nenhum de nós ia dar a cara na TV - ninguém ia pagar para nós aparecermos. Percebemos que precisávamos de um boneco." Foi aí que descobriram o Ewok. (A primeira versão de todas era um boneco das Caldas.)
Na altura Fernando Alvim tinha sido convidado a fazer um dos episódios dos Incorrigíveis (uma plataforma de humor na Net das Produções Fictícias). Santo, Pombeiro e Monteiro escreveram um sketch em que Alvim chegava a casa e tinha uma cassete em cima do vídeo: era o testamento de Bruno Aleixo, com Aleixo a deixar os seus conselhos. A proposta de sketch foi recusada, mas eles resolveram aproveitar a personagem. Só que Nuno Markl "gostou muito daquilo e pôs no blogue dele. Acabou por criar um culto" (Santo).
Quando a SIC-Radical os convidou a transformar os conselhos de um minuto de Aleixo num programa, já eles se tinham encarregado de "deixar desenvolver a personalidade do Aleixo" (Santo). Criaram um canal na Net para as criações de Aleixo (http://www.vimeo.com/cena/) onde, inclusive, há uma colecção de vídeos intitulada Aleixo na Escola. Num dos vídeos de Aleixo na Escola, Aleixo diz que quer ser emigrante; mas não quer morar longe de casa; não podendo ser emigrante, quer ser proxeneta. O que isto quer dizer é que por esta altura o universo de Aleixo já comportava o nonsense, que é uma das marcas do Programa do Aleixo. Por exemplo: entre os amigos de Aleixo inclui-se o Ribeiro, médico que é invisível desde os 34 anos. "O facto de ser um boneco permite-nos esticar a corda", explica Moreira.
Aleixo tornou-se em alguém que, segundo Moreira, "quer ganhar. Na Bairrada dizemos 'Campastes', isto é, 'ganhastes', 'saístes por cima'. Ele quer campar." Alguém sério mas que "faz coisas de garoto, que tem sempre argumentos para levar até ao fim uma discussão. E quando não tem diz 'Então cala-te'". Ou o já nacionalmente conhecido "Iiii, ca burro".
O universo de Aleixo, diz Santo, é Portugal. "Não há nada forçado. São conversas normais." "Em qualquer comboio ouves conversas destas", diz Moreira.
Onde é que este mini-êxito pode chegar? Moreira diz que o trio tem "noção de que as coisas têm um prazo e que Aleixo pode muito bem ficar um ano na prateleira". Depois Santo acrescenta que "este humor ainda não tem lugar no mainstream".

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