Breve encontro
Weekend, do inglês Andrew Haigh, é um dos mais belos filmes que (não) vamos ver em salas este ano. Abre hoje o Queer Lisboa. Por Jorge Mourinha
O problema muitas vezes enfrentado pelo cinema dito queer, de temática GLBT (gay, lésbico, bissexual e transgender), reside no facto de se encerrar (por vezes até voluntariamente) num gueto do qual depois não consegue sair. Isso deve-se, em parte, à existência constante de um desconforto por parte das audiências mainstream relativamente a objectos que abordam sexualidades alternativas; e, em parte, porque nem sempre se sente nos filmes um esforço por parte de quem os faz de tentar falar com um público mais alargado, para lá daquele ganho à partida.
É por isso que filmes como O Segredo de Brokeback Mountain (2005) ou O Banquete de Casamento (1993), de Ang Lee, ou Um Homem Singular (2009), de Tom Ford, são excepções mais do que regras. É por isso que é tão extraordinário e arriscado poder juntar a esses filmes, com pouco de queer e muito de cinema, uma pérola como Weekend, abertura do 16º Festival Queer Lisboa (esta noite às 22h no cinema São Jorge, repetindo domingo 23 às 17h15). Extraordinário porque aqui está um filme que fala da (homos)sexualidade sem dela fazer bandeira, que equaciona a experiência da solidão e do amor como se as suas personagens não fossem arquétipos nem símbolos mas, apenas, pessoas - seres humanos que procuram o mesmo que todos os outros seres humanos. Arriscado porque a sua exibição em abertura do Queer corre o risco de encerrar Weekend num gueto ao qual não pertence e ao qual o seu autor, o inglês Andrew Haigh, nunca quis que ele ficasse restrito. Um pouco como o fizeram os bem-intencionados críticos internacionais que, cheios de boas intenções, definiram o filme como "um Antes do Amanhecer gay" - o que reenvia Weekend para o gueto ao mesmo tempo que lhe dá uma conotação indie-hipster que o menoriza.
A verdade é que, apesar das semelhanças com Antes do Amanhecer, preferimos ir buscar o cinema inglês do pós-guerra e, sobretudo, um filme como o lendário e arrebatador Breve Encontro (1945), escrito por Noël Coward e dirigido por David Lean, história de um impossível caso romântico entre um homem e uma mulher, ambos casados, nascido de um encontro casual nos comboios suburbanos de Londres. Em Weekend, um encontro casual num bar gay em Nottingham coloca dois homens sozinhos no caminho de uma relação romântica condenada pela próxima partida de um deles para os EUA. Tudo se passa durante o "fim de semana" do título durante o qual Russell e Glen ensaiam futuros para uma relação que os tire das suas solidões respectivas, um jogo de possibilidades e caminhos que se abra à sua frente. E é aí, mais do que na (homos)sexualidade, que reside a chave de Weekend, filme onde ninguém é bandeira de nada a não ser de uma procura do amor e do outro que nos complete que é transversal a sexo, género, nacionalidade. O essencial do que aqui se joga é apenas a exploração da emoção que acontece quando dois seres humanos se encontram e começam a preencher os espaços em branco que existem na tela que se abre à sua frente.
Andrew Haigh, antigo montador de formação que assina a sua primeira longa de ficção, inscreve-se com Weekend na tradição de um cinema inglês realista, atento ao mundo, com coisas para dizer sobre a vida, e fá-lo com a economia, a sensibilidade, a elegência que parecem ser apanágio dessa linhagem. Sobretudo, conta a sua história com infinito respeito pelas suas personagens, recusando-se a encerrá-los em gavetas preguiçosas e dando-lhes (e aos seus notáveis actores, Tom Cullen e Chris New) espaço para respirar e para revelarem toda a sua complexidade de gente normal, gente como nós, que apenas procura aquilo que todos procuramos: alguém que nos ame e que possamos amar.
Weekend é um dos mais bonitos filmes que (não) vamos ver nas salas portuguesas este ano, porque vai haver mais pessoas a meterem-no na gaveta gay do que na gaveta "bom". Ainda bem que o Queer Lisboa o mostra. Que pena que seja só o Queer Lisboa a mostrá-lo.