Turismo
Pelo menos 3500 milhões de euros de investimento em projectos
de turismo residencial estão ameaçados. A maioria são considerados
de potencial interesse nacional
a A crise está a bloquear mais de 3500 milhões de euros de investimento em turismo residencial. De uma lista de 18 grandes projectos analisados pelo PÚBLICO, e que somam mais de sete mil milhões de euros no papel, há pelo menos nove que estão a marcar passo, por falta de condições financeiras e dificuldades nas vendas (ver infografia).Há dois anos, o mercado de segundas residências integradas em "resorts" foi apontado pelo Governo como um dos motores de crescimento económico, contribuindo para atingir uma meta de 21 milhões de turistas (quase o dobro do número actual) e receitas na ordem dos 15 mil milhões de euros em 2015.
A maioria dos empreendimentos analisados ostenta o estatuto legal de PIN (projecto de potencial interesse nacional), conseguindo mais facilidade nos processos burocráticos de licenciamento. No total, os cálculos do Turismo de Portugal elevam a 12.700 milhões de euros o investimento previsto em mais de 30 grandes empreendimentos para os próximos dez anos. Em causa estão 37.900 unidades (moradias), que se dividem sobretudo entre o interior e o litoral do Alentejo, o Algarve e o Oeste, na zona de Óbidos.
Mas à medida que a crise tomou conta dos mercados e a confiança dos compradores diminuiu, muitos dos investidores suspenderam a corrida por questões de precaução. Uns, especialmente no caso de empreendimentos ainda no papel, simplesmente porque os bancos deixaram de emprestar dinheiro. Outros, aguardam por novas tendências.
No Alentejo, que sofre de falta de notoriedade no segmento do turismo residencial, há projectos como a Herdade do Barrocal (da Aquapura, ligado a Diogo Vaz Guedes) que estão a ser repensados. "Gostaríamos de ir para o mercado em 2009 mas isso não vai acontecer", admite Miguel Simões de Almeida, administrador da Aquapura Hotels. Também o grupo SAIP (Sociedade Alentejana de Investimentos e Participações) de José Roquette, tinha um investimento previsto de mil milhões de euros no Parque Alqueva, na zona de Reguengos de Monsaraz. A componente imobiliária deveria ser a primeira a arrancar. Agora, está apenas garantido um investimento de 250 milhões de euros, grande parte em hotelaria e serviços turísticos (náutica e golfe).
"Estamos a tentar perceber o que vai ser o pós-crise, que tendências novas é que irão surgir e que tipo de valores", comenta José Belmar da Costa, administrador executivo do Parque Alqueva. "A nossa grande vantagem é não termos ido ainda para o terreno. Temos a obrigação de fazer o que for mais adequado para o mercado", afirma.
Esta é uma opinião partilhada pelo presidente da Confederação do Turismo Português (CTP), José Carlos Pinto Coelho, também investidor com o grupo Onyria. "Estava tudo montado num modelo em que havia dinheiro barato e disponível. Isso agora não há. O modelo mudou e vão aparecer outros projectos, outra maneira de viver e de gastar o tempo", defende.
Contactado pelo PÚBLICO, o secretário de Estado do Turismo, Bernardo Trindade, sublinha que este segmento mantém-se como prioridade no âmbito do Plano Estratégico Nacional de Turismo (PENT), aprovado em 2006. Garantindo estar a acompanhar de perto o avançar dos investimentos, Bernardo Trindade admite no entanto alterar o PENT. "Face à conjuntura económica e à avaliação que vamos fazendo da execução das medidas, não afasto a possibilidade de revisão, mesmo porque considero que se trata de um plano dinâmico e evolutivo", avançou.
Os analistas do sector, a par da necessidade urgente de repensar a estratégia turística nacional, salientam que esta será uma oportunidade para a sobrevivência apenas dos melhores projectos. Um factor de sucesso será "mais rigor nas previsões e nos estudos de viabilidade" e menos "optimismo desmesurado", nota a consultora ILM THR. Com efeito, os actuais problemas da banca tornaram visível a fragilidade estrutural de vários projectos. Alguns dos empreendimentos têm "níveis de alavancagem financeira altíssimos", nota Andrew Coutts, director-geral da consultora.
Na ilha madeirense de Porto Santo, o Colombo's Resort é o exemplo de um empreendimento que está em maus lençóis. O grupo internacional Starwood rescindiu o contrato de gestão hoteleira com o grupo SIRAM devido ao atraso na conclusão das obras, paradas desde o Natal. Há já salários de operários em atraso. O empreendimento turístico-imobiliário de luxo enfrenta dificuldades financeiras, agravadas pela crise que atingiu os bancos a que estão ligados investidores deste projecto, entre os quais Joaquim Coimbra (JVC Holding), accionista do BPN, e Goes Ferreira (Grupo IPG), do Millennium bcp.
Frustradas as tentativas de atrair novos investidores de países árabes, o presidente do grupo SIRAM, Sílvio Santos, tem procurado obter o apoio dos governos central e regional para evitar a falência do maior investimento privado em curso na ilha e candidato ao financiamento do Programa Integrado Turístico de Natureza Estruturante e Base Regional (PITER).
À imagem do que acontece em Porto Santo, as dificuldades são bem maiores quando as obras ou a fase de comercialização já arrancaram. A Cidade Lacustre, em Vilamoura, no Algarve, é outro desses casos (ver caixa). "O facto de neste momento o Algarve ser reconhecido como destino de compra de segunda habitação por parte do mercado internacional, faz desta região a principal afectada", indica Eduardo Abreu, sócio da consultora Neoturis.
A bênção da burocracia
Apesar do cenário pouco animador, os analistas acreditam que o país está longe de se equiparar à desordenada costa espanhola. A lentidão nos licenciamentos e os travões colocados pelos instrumentos de ordenamento do território ajudaram os empresários a ganhar tempo. "Foi uma bênção que não era óbvia, mas que agora é. E se metade destes projectos já estivesse em construção?", questiona Andrew Coutts.
Na costa alentejana, concelho de Grândola, o empreendimento da Costa Terra foi um dos grandes projectos de turismo residencial classificados como PIN, que há mais de 20 anos aguardava aprovação das autoridades. A construção foi sendo travada por questões ambientais e de ordenamento do território. A empresa proprietária, que pertencia ao grupo suíço Volkart, mudou de mãos no final de 2008, quando Pedro Queiroz Pereira (Semapa) se tornou accionista de referência da Costa Terra. Actualmente a ser analisado por Bruxelas (devido a uma queixa da Quercus), é tempo de reequacionar o que estava em cima da mesa, admitem os promotores.
A Herdade do Pinheirinho, no mesmo concelho, mantém o calendário mas decidiu avançar contra a corrente: os promotores aliaram-se à cadeia hoteleira de luxo Hayatt e aumentaram o investimento previsto em quase 100 milhões de euros, para 250 milhões, mantendo o número de camas (2197 camas turísticas e 714 camas residenciais). "Pensamos que o projecto se torna mais seguro e atractivo por termos assinado contrato com uma cadeia hoteleira de luxo. É um seguro para que tenha rentabilidade", afirma Vasco Cunha Mendes, director de marketing e vendas.
Travões na comercialização
Este parece ser um caso único. Na Região Oeste, perto da vila de Óbidos, os investimentos em turismo residencial já no terreno ou ainda por realizar ultrapassam quatro mil milhões de euros, pelas contas da região de turismo.
Muitos dos resorts ainda no papel suspenderam o calendário. Outros, estão a travar o investimento em marketing, como a MSF TUR.IM que está a vender o Royal Óbidos Spa & Golf Resort, a construir a partir de Março em parceria com o grupo Oceânico.
"Não se espera que os projectos venham a ter problemas graves no sentido de serem abandonados, mas antes que reduzam pessoal e apertem o cinto", diz António Carneiro, presidente da região de turismo. Acima de tudo, esta não é uma situação perceptível no terreno. Os efeitos fazem-se sentir nas expectativas adiadas e em alguns milhares de novos postos de trabalho que ficam por criar, nota.
O que mais prejudica os empreendimentos já em comercialização é sobretudo a crise britânica, a queda da libra e a desvalorização dos planos de poupanças no Reino Unido e na Irlanda. Agora, o esforço de vendas que ainda resta volta-se para mercados alternativos, como a Escandinávia, Angola ou Rússia. Contudo, "não é expectável que de toda a oferta, mais de dez por cento seja colocada fora dos mercados tradicionais (Reino Unido, Irlanda, Alemanha, Benelux e Espanha)", calcula a Neoturis.
O perfil dos compradores também está a mudar, nota Paulo Sardinheiro, representante da imobiliária Winkworth na Região Oeste. "No início apareciam pessoas à procura de segundas residências, mas no segundo semestre começaram a surgir clientes seniores à procura de casa para morar", diz.
Quanto às perspectivas de recuperação, ninguém arrisca certezas, mas antes de 2012 será difícil que o mercado volte ao que era. Até lá, Portugal terá de procurar outros modelos de desenvolvimento, com atenção às novas tendências. "Os 'resorts', como figura integrada de vários produtos turísticos, têm de ser reequacionados - estava previsto serem construídos em cinco anos e o melhor é serem concretizados em 20. Há que ocupar os que já estão construídos, em vez de acrescentar produto", defende Pinto Coelho, da CTP. José Manuel Fortunato, administrador da MSF TUR.IM, acredita na potencialidade deste segmento, mas diz que não há lugar para tantos projectos. Só haverá espaço para os que apostem na qualidade e tenham promotores experientes e com capacidade financeira, remata.
Já o secretário de Estado compromete-se a tudo fazer para que os projectos se concretizem, mas avisa que os promotores não podem ficar parados: "Têm de repensar o modelo de negócio, se for necessário, e procurar alternativas de financiamento e de comercialização".
*Com Tolentino de Nóbrega
José C. Pinto Coelho, presidente da CTP
Os investimentos turísticos no Algarve entraram num período de hibernação. Dos dez grandes empreendimentos apresentados no Verão de 2007 por José Sócrates - e que envolviam um investimento de 1500 milhões de euros e a criação de 6000 postos de trabalho directos - apenas o Autódromo Internacional do Algarve não fez compasso de espera, auxiliado pela autarquia de Portimão.
"Só não parou quem não pode", comentou Elidérico Viegas, presidente da Associação dos Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve (AHETA). Na maior parte dos casos, "os projectos foram suspensos para reavaliação". Um dos investimentos paradigmáticos é o "resort" Conrad Hilton, à entrada da Quinta do Lago, um investimento superior a 88 milhões de euros. Deveria ser inaugurado este ano, mas no local as obras estão atrasadas e são poucos os trabalhadores. Este foi, de resto, um caso que gerou polémica. Para viabilizar o empreendimento, o Governo foi ao ponto de levar a Conselho de Ministros a suspensão do Plano Director Municipal (PDM) de Loulé, para adoptar uma medida de excepção. A zona estava classificada como "área florestal" e não era permitida construção. Na mesma zona, o Vale do Lobo III - um outro projecto de Potencial Interesse Nacional (PIN) - está em fase de infra-estruturas.
Em Vilamoura, a construção abrandou em sintonia com a queda das vendas no sector imobiliário. Por isso, a Cidade Lacustre - o projecto emblemático da Vilamoura XXI - ficou a aguardar melhor oportunidade, depois ter sido promovida comercialmente. De um modo geral, quem continua "é quem não podia mesmo parar, devido aos compromissos assumidos", diz Elidérico Viegas. O grupo Six Senses Spa - que previa avançar com o seu primeiro hotel na Europa em Castro Marim - acabou por desistir, depois de ver a massificação turística na margem espanhola do Guadiana. Na Quinta do Lago, o grupo The Keys também anunciou a construção de 171 vivendas de luxo (70 mil metros quadrados de construção), mas a falta de procura fez arrefecer os investidores. Reflexo desta situação, a câmara de Loulé no final do ano passado já sofreu uma quebra de 13 milhões de euros, referente às receitas do Imposto Municipal sobre Imóveis e o Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis, face a 2007.
Idálio Revez