O maravilhoso mundo de Maguy Marin
Há tanto tempo que Maguy Marin (Toulouse, 1952) não vem a Portugal, vinte anos já desde que Cortex e May B estiveram no Encontros ACARTE, da Fundação Calouste Gulbenkian. Vinte anos em que fomos perdendo o traço de uma das mais importantes coreógrafas europeias, com um discurso que foi abalando o modo como a dança contemporânea se foi fazendo, num conflito entre a forma e o conteúdo.
O jogo de ilusões, que nunca distinguiu o que era movimento do que era discurso, está em destaque na edição deste ano do Festival d"Automne em Paris, onde Emmanuel Demarcy-Mota, o director artístico que este ano assume por inteiro a programação, convenceu cinco teatros onde Marin nunca havia entrado para apresentarem um ciclo como a cidade nunca viu.Faces (2011), Nocturnes (2012), Cap au Pire (1982), May B (1981), Ça, quand même (2004) e Cendrillon (1985), e mais um filme a partir de Umwelt (2004) são as peças que, entre 13 de Outubro e 15 de Dezembro, mostram um movimento que (talvez seja uma surpresa para quem não souber) começou a ser marcado quando Marin foi solista na companhia de Maurice Béjart, Les Ballets du XXéme Siècle, com ele aprendendo como o ritmo, a marcação e o tempo são fundamentais antes de qualquer ideia.Para a coreógrafa nunca importou um movimento que não se soubesse auto-sustentar e que desse, na sua imensa capacidade de metaforização, a réplica certa às influências que ia buscar, do cinema à filosofia, da política à literatura.
Os livros, ou mais precisamente as palavras, são outra das bases do seu trabalho. E isso mesmo se lê, se vê, se escuta e sente no extraordinário May B, peça fundadora de um discurso e momento raro por ter conseguido dar às palavras de Samuel Beckett, o B do título, o corpo que há tanto tempo procurava. Foi uma conquista da coreógrafa face à resistência do dramaturgo em aceitar que as suas peças fossem adaptadas. Vamos poder (re)ver com parte do elenco original, onde se inclui a coreógrafa brasileira Lia Rodrigues.Tiago Bartolomeu Costa