Joaquim Mourato: “Vivemos com uma mesada do Governo”

Era importante que o Governo baixasse o limite mínimo para aceder a uma bolsa de estudo, defende representante dos institutos politécnicos, recordando que o país ainda só tem 27% de jovens com o ensino superior.

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Enric Vives-Rubio

No Orçamento do Estado (OE) para 2014 estava previsto que os institutos politécnicos recebessem menos 30 milhões de euros do que no ano anterior. Também houve um corte suplementar como aquele de que se queixam as universidades?
Tivemos um corte superior a 2% anunciado em Agosto que corresponde a esse valor. Em fins de Outubro, quando o orçamento estava no Parlamento, também fomos surpreendidos com um corte, que não foi sequer comunicado, de mais 12 milhões.

Questionaram a tutela?
Temos colocado a questão de forma insistente e o que nos tem sido dito é que estão a acompanhar a execução orçamental. Na minha leitura, isso significa que, logo que existam problemas, têm que os socorrer. Em 2013, os verdadeiros problemas de incumprimento aconteceram no último trimestre e tivemos inclusivamente politécnicos que só a 27 de Dezembro conseguiram ter as descativações por parte dos Ministério das Finanças que lhe permitiram honrar compromissos até final do ano.

Já tinha dito que este ano esses problemas se iam sentir mais cedo.
E já tive oportunidade de dizer ao secretário de Estado do Ensino Superior e ao ministro da Educação: as consequências vão sentir-se já no segundo semestre seguramente, quando tivermos que pagar subsídios de férias. Existe autonomia financeira do ensino superior, mas nós vivemos com uma mesada do Governo. O Ministério das Finanças comunica mensalmente os compromissos disponíveis às instituições e a partir daí elas podem decidir o destino do dinheiro a usar. É como quem diz: aqui tens a tua mesada. E isso não faz sentido porque temos actividades plurianuais.

Como têm respondido a isso?
O subfinanciamento é uma realidade. Temos um corte muito superior a 20% em termos nominais desde 2006 e que eu diria que vai acima de 50%, já que passamos a pagar as comparticipações para a Caixa Geral de Aposentações e ADSE. Vivemos com menos metade do Orçamento de Estado do que há oito anos.

O país tem percepção disso?
Não sei, mas fazemos um esforço para que essa informação apareça. Se toda a administração pública e empresas públicas tivessem tido um corte de 50% do OE, seguramente o país não tinha desequilíbrio orçamental nenhum. As instituições de ensino superior já vinham fazendo há muitos anos o esforço que tem sido pedido de uma forma generalizada ao país nos últimos três anos.

Quais foram os impactos disso?
Portugal continua a gastar menos com ensino superior do que a média dos países da OCDE, que é de 1,5% do PIB. O país só tem, neste momento, 27% de população jovem com o ensino superior e comprometeu-se a atingir os 40% em 2020. A média da OCDE já vai em 39%. Isto significa que o país devia apostar no ensino superior ainda mais do que a média dos países da OCDE.

Mas dizia que havia mais do que um subfinanciamento.
Há um estrangulamento de burocracia que não nos deixa trabalhar. Estamos a ser permanentemente invadidos por pedidos de informação. Temos metade do Estado a trabalhar para outa metade e isso não nos deixa realizar a nossa missão.

Quantos alunos há nos politécnicos?
São 106.674 alunos, que correspondem a 35% do ensino superior público, incluindo Cursos de Especialização Tecnológica (CET), licenciaturas e mestrados.

O CCISP tem quantificado os impactos económicos que a generalidade dos politécnicos tem nas suas áreas de influência?
Fizemos recentemente um estudo em sete politécnicos, que vamos publicar em breve. Cada euro que vem do Orçamento de Estado para as instituições tem, em média, um retorno de quatro euros para as regiões. Não encontra outro investimento público com um retorno tão grande e tão imediato.

E a nível de emprego?
O emprego criado, directa ou indirectamente, pelas instituições de ensino superior chega a atingir, em algumas regiões, 10 a 12% da população activa.

Quais são as saídas dos jovens formados nos politécnicos?
Estamos a desenvolver um observatório de diplomados que nos vai dar indicadores que hoje não conhecemos. Aquilo que temos monitorizado em termos nacionais tem a ver com o Poliempreende, um programa de transformação de ideias em negócios que une estudantes, professores e pessoas fora das instituições. Anualmente é feito um concurso e registamos a criação de largas dezenas de empresas criadas, com uma taxa de sobrevivência acima da média e o registo de 82 patentes.

Espera-se que o Governo apresente este mês as linhas para a reorganização da rede de ensino superior. Acha possível fazê-la a tempo do próximo ano lectivo?
Não sei de que reorganização se fala. Até agora o CCISP não discutiu nem uma linha ainda de qualquer reforma com a tutela.

Na semana passada veio a público um rascunho que terá sido recebido pelo CCISP.
O senhor secretário de Estado entregou-nos um documento mas não o fez em termos oficiais para abrir a discussão. Ainda não reuniu connosco para discutir a matéria.

Mas havia nesse documento uma ideia de maior diferenciação entre o politécnico e o universitário, que era algo que o CCISP defendia no estudo encomendado ao Center for Higher Education Policy Studies (CHEPS).
Não vou pronunciar-me sobre uma linha do que está naquele documento porque nós ainda não o discutimos no CCISP nem com a tutela. O CCISP fez o seu trabalho de casa nesta matéria com esse estudo que referiu.
Em Abril lançámos um conjunto de propostas para o ensino superior politécnico e aí já falávamos da necessidade de uma maior diferenciação entre os dois subsistemas, não em termos de hierarquias, mas dando uma igual dignidade a universidades e politécnicos, com missões diferentes.

De que forma?
Uma questão que para nós tem sido fundamental é a designação como Universidades de Ciências Aplicadas. Não queremos ser universidades, queremos manter-nos politécnicos. Mas temos uma maior internacionalização e quando chegamos lá fora ninguém sabe o que é um politécnico.

A designação é assim tão importante?
Em termos internacionais, é. Também seria importante podermos oferecer doutoramentos, no sentido de valorizar o ensino politécnico, além de que contribui para diferenciação do sistema.

Pelo contrário, isso não iguala universidades e politécnicos?
Não. Se se está criar um nível 5 só para os politécnicos [Cursos Técnicos Superiores Profissionais, ver texto ao lado] isso torna os politécnicos diferentes das universidades. Mas então crie-se um nível oito, que é o doutoramento de natureza profissional.

Que é uma coisa que as universidades já fazem.
Não queremos fazer doutoramento académico, isso cabe no sector universitário. Mas se temos a fileira profissional, não entendemos que haja este impedimento administrativo. Os nossos professores têm que andar sempre com um pé na universidade, para fazerem doutoramentos e investigação, e outro nos politécnicos, para as aulas. Assim dificilmente conseguimos diferenciar o sistema, porque todo o caminho académico do docente está no espírito universitário e não na matriz politécnica.

O CCISP tinha defendido a existência de consórcios ou fusões entre instituições. Onde são possíveis?
A reordenação da rede de instituições politécnicas, no respeito pela sua autonomia e por sua iniciativa, pode ser feita através de consórcios ou fusões, mas que resultem de um projecto com evidentes mais-valias para o sistema de ensino superior português e para o país. Não me parece é que a imposição de uma fórmula traga algo de positivo. Penso que já nem o Governo acredita nessa solução.

Faria sentido o Politécnico Portalegre ter uma parceria mais reforçada com Santarém, com Beja ou com a Universidade de Évora?
Faz todo o sentido e estamos a fazê-lo. Aquilo que se anuncia não é nada de novo. No Alentejo, já temos uma parceria com um sistema regional de transferência de tecnologia e um parque de ciência e tecnologia.

Então onde é que a possibilidade de consórcio pode ser benéfica?
Isto já é um consórcio. Só que o consórcio não está legislado. Pode haver uma intenção do Governo de regulamentar isso, mas certamente a solução não vai ser mais do que aquilo que nós estamos a fazer.

As fusões parecem-lhe mais difíceis de serem concretizadas?
A lei impede fusões entre politécnicos e universidades. As fusões entre politécnicos parecem-me difíceis de concretizar. No Alentejo, Portalegre está a 200 quilómetros do Politécnico de Beja, por exemplo. Tenho um colega no CCISP que diz que estamos disponíveis para escrever a carta pastoral desde que alguém escreva a encíclica. O que tem faltado é estratégia em termos nacionais.

Ainda há espaço para reduzir vagas nos cursos dos politécnicos?
Precisamos de mais estudantes no ensino superior e há problemas no nosso país que têm que ser resolvidos para que isso aconteça. Temos insucesso no secundário e famílias que não têm dinheiro. A isso ainda se junta o abandono dos estudantes que já estudam no superior.

O Governo propôs a criação de um programa de bolsas para os alunos retomarem os estudos. Vai ajudar alguma coisa?
Vivemos um período excepcional que carece de medidas excepcionais. Era importante que o Governo olhasse para o regulamento de atribuição de bolsas de estudo e pudesse baixar o limite mínimo a partir do qual se acede à bolsa.

A tutela também propõe um programa para levar estudantes do litoral para estudar no interior. Parece-lhe positivo?
No fundo é uma resposta a uma preocupação que temos manifestado de coesão social e territorial. Temos um desequilíbrio tremendo. De Bragança a Beja há sete politécnicos e três universidades, cujo peso no orçamento do ensino superior é de 16%. Isto é menos do que a Universidade de Lisboa depois da fusão.

Mas parece-lhe que vai ter sucesso?
As pessoas gostam de estudar no interior. Há maior proximidade, é mais barato. Estou convencido que o interior tem que ser redescoberto e que se alguns jovens tiverem a oportunidade de ter essa experiencia vão gostar.
O litoral não vai dar conta disso, mas pode ser interessante para algumas instituições do interior que estão a passar um mau bocado.

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