Tribunais recusam acesso a avaliação de casa de Cavaco Silva no Algarve

Supremo Tribunal Administrativo validou sentença da instância inferior, para a qual a informação pedida por um jornalista do PÚBLICO às Finanças não teria interesse, não se justificando a quebra do sigilo fiscal

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O tribunal valorizou o facto de Cavaco Silva não ser Presidente da República quando fez a transacção Daniel Rocha

O jornalista José António Cerejo estava a realizar uma investigação sobre a forma como o actual Presidente da República adquiriu a casa da Coelha, em 1998, quando ela se encontrava em fase adiantada de construção, dando em troca a sua antiga vivenda Mariani, situada em Montechoro. Em análise estavam ainda os impostos que Cavaco Silva deveria pagar pela transacção com a Constralmada, uma empresa que tinha como sócio Fernando Fantasia, seu amigo de infância, que mais tarde se tornou administrador de empresas ligadas ao BPN.

Inicialmente não foi pago nada a título de sisa (actual IMT), já que as partes atribuíram às duas propriedades o mesmo valor, de 135 mil euros (27 mil contos). Contudo, as Finanças abriram de imediato um processo de avaliação da propriedade da Coelha - como mandava o Código da Sisa - o que acabou por obrigar Cavaco, após uma segunda avaliação, a desembolsar 8133 euros. Isto porque a casa da Coelha foi avaliada em mais 81.330 euros do que aquela que havia sido dada em troca, segundo informou no ano passado a própria Presidência da República, que agora optou por não fazer comentários.

Mas esta segunda avaliação, feita pelas Finanças de Albufeira, deixou várias dúvidas por esclarecer, já que teve como pressuposto que na propriedade de 1891 metros quadrados estava construída uma moradia com uma área bruta de construção de 318 m2, quando, afinal, estava lá uma outra com quase o dobro da área bruta: 620 m2. A primeira obra tinha sido licenciada em 1994, antes de dois lotes contíguos terem sido juntos, e acabou por nunca ir por diante. Em Outubro de 1996, foi pedido um novo licenciamento de uma única moradia a erguer no espaço conjunto dos lotes 18 e 19, que não tinha qualquer semelhança com o projecto anterior.

O que não se sabe e o jornalista queria esclarecer é se a segunda avaliação, que fixou a sisa a pagar, foi feita depois de Cavaco ter reclamado da primeira, de valor superior, fundamentando a reclamação com a entrega de um projecto que não correspondia à moradia construída - mas a uma de muito menor valor, aquela que não existe, mas serviu de base à avaliação.

Em 13 de Janeiro de 2011, o jornalista solicitou por isso a consulta do processo de avaliação às Finanças de Albufeira. A 31 de Janeiro, a administração fiscal recusava-lhe o acesso invocando o sigilo fiscal. "Tal dever de sigilo apenas cessa em caso de autorização do contribuinte, cooperação legal da administração tributária com outras entidades públicas, assistência mútua e cooperação da administração tributária com as administrações tributárias de outros países e colaboração com a Justiça", referia a resposta.

Contestando que os dados da avaliação fossem de natureza pública, como sustentava o jornalista, defendia-se que "o processo de avaliação integrava não apenas dados de natureza pública, mas também dados suceptíveis de revelar a situação tributária dos contribuintes, protegidos pelo dever de sigilo".

Em Março desse ano, José António Cerejo faz um novo pedido, solicitando mais uma vez o acesso ao processo, expurgado de quaisquer elementos abrangidos pelo sigilo. Quinze dias mais tarde, as Finanças voltam a recusar, tendo o jornalista intentado uma acção judicial para tentar consultar os documentos.

STA recusou apreciar o caso

Contudo, em Setembro de 2011, o Tribunal Fiscal de Loulé confirma a recusa, argumentando que "o valor apurado na avaliação serve de base de cálculo do imposto de Sisa a pagar, pelo que tais dados são susceptíveis de revelar a capacidade que o contribuinte tem de pagar o imposto". Os dados, defendeu o juiz, são , por isso, confidenciais.

O jornalista recorreu para o Tribunal Central Administrativo do Sul, que colocou a questão como uma disputa entre dois direitos constitucionais: o direito à informação e o direito à intimidade da vida privada. Desvalorizando os cargos públicos assumidos por Cavaco Silva, os juízes sustentam que a invocação da condição de jornalista e o propósito de uma investigação jornalística "não são suficientes para produzir a identificada e necessária compressão do sigilo fiscal".

Os magistrados realçam que a transacção ocorreu quando Cavaco ainda não era Presidente da República e dizem que "a informação pretendida, por princípio, nenhum interesse revestiria, porque relativa a um aspecto muito técnico e volátil da tributação do património, nesta medida bastante discutível". Num acórdão de Abril, concluem que deve prevalecer a "intimidade privada do cidadão, neste momento, Presidente da República".

O caso subiu ao STA, mas os conselheiros recusaram agora, a 21 de Novembro, apreciar novamente a questão, por não encontrarem no acórdão anterior "qualquer erro grosseiro ou decisão descabidamente ilógica e infundada que imponha a admissão da revista como claramente necessária para uma melhor aplicação do direito".
 

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