Diogo fartou-se da "humilhação" da praxe e "quis sair da tuna" antes de morrer

Colega revela que jovem quis abandonar a tuna antes da noite da praxe fatídica. Mãe está agora a ser julgada e a juíza dispensou-a de estar presente nas próximas audiências face ao estado de saúde.

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Diogo morreu vítima de um crime sem culpados: agora é a sua mãe que está a ser julgada por difamação Fernando Veludo/NFactos

Diogo Macedo, 22 anos, quis sair da Tuna Académica da Universidade Lusíada de Famalicão em 2001. “Estava farto da humilhação. Da dureza da praxe. Naquela tuna, a praxe fazia-se para conseguir o maior grau de humilhação possível. Quis sair da tuna e chegou a vir falar comigo queixando-se disso, ele e outros colegas. Perguntaram-me se podiam vir para a nossa tuna.”

A revelação, ouvida nesta quarta-feira no Tribunal da Maia, é de Gabriel Oliveira, antigo membro de outra tuna, a da Universidade Católica de Braga. Diogo já não ia à tuna há meses. Decidiu ir uma última vez. Morreu em Outubro de 2001, vítima de agressões infligidas numa praxe na tuna.

Gabriel, agora com 39 anos, lembra-se do que viu e do que lhe contaram. “Na tuna de Famalicão, funcionava mais a punição física na praxe. Abandonavam os caloiros às 4h ou 5h da manhã, a 30 quilómetros de casa. Por vezes tinham de dormir na estrada à espera de boleia. Deixavam-nos nus, só com a capa.”

Apesar de estar no quarto ano do curso de Arquitectura, Diogo nunca deixou de ser caloiro na tuna. Nas sessões de julgamento anteriores, colegas da tuna responsabilizaram Diogo. Nunca foi promovido a tuno por ser “fraco” musicalmente, disseram. Noutras tunas, porém, o jovem era cobiçado. Gabriel confessa mesmo admiração por Diogo.

“Eu era pandeireta também, como ele. Na nossa tuna, num ano o Diogo seria tuno. O Diogo era aquilo que eu gostava de ter sido na tuna. Ele era bastante dedicado. Nunca cheguei à qualidade do Diogo. Não pode ter sido por questões musicais que não passou a tuno”, recorda Gabriel.

Porque foi, então? Não sabe. “Foi ao Brasil com a tuna nesse ano e veio desiludido. Farto.” Terá sondado novamente Gabriel sobre a possibilidade de ir para a tuna dele. Não foi. Morreu em Outubro de 2001. Naquela noite, disse aos pais que iria resolver a sua vida na tuna. O relatório da autópsia narra traumatismos da cabeça aos testículos.

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A Justiça nunca encontrou os culpados e é agora a mãe de Diogo, Maria de Fátima Macedo, 62 anos, que se senta no banco dos réus por difamação. Em entrevistas a duas televisões e a um jornal, nomeou os “assassinos” do filho. Olavo Almeida, que chegou a ser arguido na investigação arquivada, não gostou. Apresentou uma acusação particular que foi acompanhada pelo Ministério Público.

Ninguém se recorda do que sucedeu naquela noite e o processo-crime foi arquivado, em 2004, por falta de provas. Em 2009, num processo cível em que a universidade foi condenada a pagar 90 mil euros à mãe, o juiz lamentou o pacto de silêncio imposto na tuna.

O “que aconteceu foi muito grave"

Esta quarta-feira, a mesma falta de memória incomodou o tribunal que julga Maria de Fátima. Ricardo Feitas, professor e “amigo” de Diogo, também nunca passou de caloiro na tuna. Esteve naquela noite. Tem “bem presente” a imagem de Diogo já débil, na casa de banho. “Essa imagem ficou marcada na minha memória.” E até sentencia que o “que aconteceu foi muito grave”.

Mas o que aconteceu? Não sabe. Não se lembra. Contradiz-se. Não se lembra tão pouco da alcunha que tinha na tuna. Diz que houve praxe naquela noite, que a viu. Não se recorda de quem estava a praxar e a ser praxado. Diogo ainda terá conseguido falar com ele, mas pouco. Não apontou responsáveis. Só conseguiu dizer que estava mal. “Foi o que foi”, resume.

“Teve algum problema de saúde que lhe tenha afectado a memória desde então?”, questiona a advogada de Maria de Fátima, Sónia Carneiro. “O meu pai faleceu em 2010. Não sei se isso pode ser relevante”, atira. Olavo Almeida deixa escapar um sorriso.

Maria de Fátima Macedo, sem forças, abana a cabeça no banco. Treme. Leva as mãos à face. A defesa pediu ao tribunal que a dispense das próximas sessões. Mal dorme e a saúde esvai-se. A procuradora e o advogado de Olavo concordam, mas querem um atestado médico. A juíza, porém, dispensa o atestado a Maria. “A debilidade é manifesta e notória.”

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