Há mais 12 mil bolseiros no superior
Novas regras beneficiam mais alunos, mas o valor médio das bolsas baixou porque a maioria recebe a bolsa mínima.
As alterações introduzidas no início deste ano lectivo no regulamento das bolsas de acção social no ensino superior fizeram com que este apoio chegasse a mais estudantes. Até ao momento foram aprovadas mais de 62 mil candidaturas, o que representa um aumento de quase 12 mil bolseiros face ao ano passado. Esta diferença deverá, contudo, descer até ao final do ano lectivo – porqueo número total de bolseiros ainda deverá crescer até ao final do ano lectivo. Mas a estimativa é que a diferença final entre o número de bolseiros em 2016 face a 2015 fique acima das previsões feitas pelo Governo e pelas associações académicas, quando chegaram a acordo para rever as regras de atribuição.
Os dados da Direcção-Geral de Ensino Superior (DGES) a que o PÚBLICO teve acesso – actualizados até 31 de Janeiro – indicam que há 62.297 estudantes com bolsas de estudo aprovadas no ensino superior. Este valor representa um crescimento de 11.693 beneficiários face ao mesmo período do ano lectivo anterior. E deve-se à alteração no regulamento de atribuição de bolsas, em vigor desde o início do corrente ano lectivo.
As novas regras mudaram o limiar do rendimento per capita do agregado em apenas 69 euros mensais, mas isso foi suficiente para fazer entrar no sistema de bolsas milhares de novos alunos que, antes, ficavam excluídos. Ou seja, um pequeno ajustamento deu origem a um impacto superior ao estimado pelo ministério então tutelado por Nuno Crato e pelos representantes estudantis, que selaram o acordo de revisão do regulamento em Junho de 2015.
O que ficou acertado foi a alteração do limite a partir do qual os alunos são elegíveis. Esse patamar passou de um valor igual a 14 vezes o Indexante dos Apoios Sociais (IAS) para 16 vezes o IAS. Ou seja, os jovens provenientes de famílias que tenham rendimentos entre os 489 e os 558 euros mensais per capita passaram a ter direito a bolsas de estudo, ao contrário do que acontecia até então.
O número de novos bolseiros estão “bastante acima das expectativas”, considera o presidente da Federação Académica do Porto (FAP), Daniel Freitas, que participou nessas negociações com a tutela. Quando foram aprovadas as novas regras, as associações académicas tinham estimado um crescimento de 3000 a 5000 estudantes bolseiros. A base dessa estimativa foram os dados da DGES sobre as candidaturas que tinham sido rejeitadas pelo facto de os agregados familiares dos alunos terem rendimentos superiores ao limite . Já na altura “havia a noção de que havia muitos alunos que, tendo visto a sua candidatura rejeitada uma vez, acabavam por não voltar a apresentar a candidatura”, explica o mesmo responsável. Porém, a dimensão do aumento de bolseiros surpreende de qualquer forma os dirigentes associativos.
Até ao final do ano lectivo, deva haver uma diminuição desta diferença de 12 mil bolseiros face ao ano passado. Por um lado, as universidades e politécnicos estão a analisar mais rapidamente as candidaturas e o processo está adiantado em relação ao que vem sendo hábito. Por outro, em Dezembro de 2014, o processo de candidatura tinha estado parado por causa de um conjunto de problemas com a plataforma informática da DGES.
Tendo em conta os dados conhecidos até ao momento é possível fazer uma estimativa que aponta para um número final de bolseiros a rondar os 72 mil. A concretizar-se, traduzirá um crescimento de mais 8000 estudantes apoiados face ao ano lectivo anterior. Estes números deverão assim possibilitar que o sistema de acção social no ensino superior ultrapasse a barreira dos 70 mil beneficiários, algo que não acontecia desde 2010.
“Era precisamente esta a ideia das alterações aprovadas: que se aumentasse o número de beneficiários da acção social”, valoriza Daniel Freitas. A mudança de regras “abriu uma janela” para que estudantes arredados tenham apresentado a sua candidatura. O efeito conseguido é “muito positivo”, defende.
Ao todo, há 89.682 requerimentos submetidos (mais 4,3% do que no ano passado). Destes, 3882 estão ainda a aguardar informação para serem analisados (menos 7596 do que em igual período do ano anterior) e 8093 ainda estão a ser tratados pelos serviços, entre os casos em processamento de informação e os que estão em audiência de interessados.
Crescimento nos privados chega aos 40%
O aumento no número de bolseiros reforça a tendência de crescimento dos últimos dois anos lectivos, depois de, entre 2009 e 2012, ter havido uma quebra no número de beneficiários. Em todo o ano lectivo 2013/2014 foram aprovados 62.312 pedidos de bolsas de estudo no ensino superior, mais 5% do que em 201/2013. Em 2014/2015, houve 63.611 bolseiros, o que significou um crescimento na casa dos 2%.
Entre os alunos com bolsas de estudo, mais de 90% estão inscritos no sector público (58.008 processos aprovados até ao momento). Já nas instituições de ensino superior particulares estão aprovadas 4289 bolsas. Uma base de partida mais pequena que ajuda a explicar por que o crescimento do número de estudantes apoiados no sector privado é mais acentuado do que no público, atingindo quase 40%. Esta variação explica-se sobretudo pelo facto de o sector privado ter mais alunos que cumpriam as condições previstas nas novas regras aplicadas a partir deste ano. Mesmo que tenham mantido praticamente um idêntico número total de candidatos (9929 este ano, face aos 9809 do ano passado), as instituições privadas aprovaram mais processos: 73% neste ano, quando, há um ano, não passavam dos 60%.
No sector público, a taxa de aprovação também aumentou, mas em ritmo menor: passou de 75% para 80%. Apesar deste crescimento no número de bolseiros, os Serviços de Acção Social não vão, porém, atingir o mesmo nível de despesa de 2010, quando se registou o recorde de gastos com bolsas de estudo. Foram então canalizados pela DGES 160 milhões de euros para apoio directo aos alunos. No presente ano lectivo, esse valor não chegará aos 140 milhões de euros.
Apesar do aumento no número de beneficiários, a bolsa média paga aos estudantes regista uma diminuição: em média, o Estado atribui 195 euros mensais, menos cerca de 15 euros do que no ano passado. A esmagadora maioria dos estudantes que passaram a ter acesso a bolsa de estudo com as alterações introduzidas neste ano lectivo recebe apenas o valor mínimo – que cobre o custo das propinas cobradas pelas respectiva instituições de ensino superior. Esta circunstância fez baixar a média dos apoios. Ao mesmo tempo, alguns dos alunos com bolsas mais altas viram os apoios reduzir-se consideravelmente. É que, até ao ano passado, os estudantes que vivessem sozinhos ou aqueles que tinham um agregado familiar constituído por apenas duas pessoas, como famílias monoparentais, tinham uma majoração de 7,5%, que desapareceu na nova versão do regulamento.
Para responder ao aumento do número de bolseiros, o Governo disponibilizou mais dinheiro este ano. No Orçamento do Estado(OE) para 2016 há uma verba de 138 milhões destinadas ao Fundo de Acção Social, que corresponde a um reforço de cerca de 20 milhões de euros face ao ano anterior. Isso permitirá “o reforço dos instrumentos de apoio social à frequência do ensino superior”, defende o Governo no relatório do OE 2016. Os 138 milhões inscritos dizem apenas respeito aos valores destinados a bolsas, excluindo outras verbas destinadas à acção social, nomeadamente ao funcionamento dos serviços e apoios indirectos aos alunos.
Governo quer bolsas mais altas
A médio prazo, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES) quer também aumentar o valor das bolsas de estudo pagas aos estudantes do ensino superior. A intenção do Governo é “reforçar a Acção Social Escolar directa, através do aumento do valor das bolsas de estudo e do número de estudantes elegíveis, e da acção social indirecta com a transferência do financiamento público adequado às universidades e politécnicos para assegurar serviços de alimentação, alojamento e transportes”, lê-se nas Grandes Opções do Plano, divulgadas antes do OE. Para conseguir responder melhor às necessidades dos estudantes carenciados nos diferentes ciclos de ensino, o Governo defende para o próximo quadriénio a reestruturação e desburocratização do sistema de ação social escolar.
Contactado pelo PÚBLICO, o ministro Manuel Heitor não quis adiantar que medidas concretas serão tomadas para reformar a acção social no ensino superior. A proposta, que está vertida nas Grandes Opções do Plano para 2016 a 2019, divulgadas em Janeiro, transpõe um compromisso de reforço da acção social directa, o que já se encontrava inscrito no programa do Governo.
Os estudantes dizem ter “acolhido com agrado” a proposta do Governo para este mandato, segundo o presidente da FAP, Daniel Freitas, e têm já ideias concretas das alterações que são necessárias introduzir no sistema. Para os alunos, a prioridade numa revisão do regulamento de acção social deve passar pela alteração do tipo de rendimentos do agregado familiar que são usados para decidir se o estudante tem ou não acesso à bolsa de estudo. Actualmente são levados em conta os rendimentos brutos, quando “faria mais sentido” que fossem considerados os rendimentos líquidos, defende Daniel Freitas. “O dinheiro que é pago em impostos não está, de facto, disponível para investimento em edução”, justifica o líder dos estudantes do Porto.