Estado pagou no ano passado 59 milhões de euros a advogados em apoio judiciário
Nos últimos seis anos, o Estado desembolsou perto de 330 milhões para garantir um advogado a quem não tem condições económicas. Pagamentos estão a ser feitos com pouco atraso, mas ainda há problemas na validação dos serviços
O Ministério da Justiça pagou no ano passado 59 milhões de euros para garantir um advogado a quem não tem condições económicas para o fazer, uma protecção conhecida como apoio judiciário. A despesa representa um aumento de 60% face a 2010 e supera em 16% os 51 milhões pagos anualmente, em média, nos últimos seis anos.
Desde 2010, o Estado desembolsou perto de 330 milhões de euros. Este ano, já foram 23,4 milhões de euros para assegurar este tipo de apoio.
Mesmo assim, o valor de 2015 significa uma poupança de pouco mais de nove milhões de euros face ao ano anterior, altura em que os gastos tinham dispararado. Nos últimos seis anos, só em 2014 (quando foram pagos 68,2 milhões de euros) os montantes superaram a fasquia dos 60 milhões, um limite que quase voltou a ser atingido no ano passado, quando o Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça (IGFEJ ) pagou aos advogados inscritos no sistema de acesso ao direito 59.060.000 euros.
O pagamentos feitos anualmente não significam necessariamente um aumento dos serviços prestados nesse mesmo ano por perto de 12 mil advogados (dos mais de 29 mil existentes). Isto porque, muitas vezes, devido à falta de verbas e a outros motivos, o Estado atrasa o pagamento aos defensores. “O aumento da despesa em 2014 deveu-se à recuperação dos pagamentos em atraso, pois do montante pago cerca de 22,32 milhões de euros foram aplicados no pagamento de pedidos registados em anos anteriores”, explica o Ministério da Justiça, num email enviado ao PÚBLICO.
Sandra Horta e Silva, vogal do Conselho Geral da Ordem do Advogados com o pelouro do acesso ao direito, confirma isso mesmo: “Há um aumento do apoio judiciário, numa percentagem que não sei precisar. Mas parte do crescimento da despesa está relacionado com pagamento de serviços em atraso.”
A responsável recorda que quando tomou posse no conselho geral, em Janeiro de 2014, havia uma dívida de 20 milhões e que essa dívida em Janeiro deste ano era de apenas seis milhões. “Tem havido um esforço do instituto de gestão para recuperar os montantes em atraso”, reconhece Sandra Horta e Silva.
Crise também pode explicar aumento
A vogal lembra que uma auditoria feita em 2011 ao sistema de acesso ao direito pela anterior ministra fez congelar muitos honorários e que no início de 2012 começou a funcionar uma plataforma informática para validar os serviços prestados, que, no início, devido a diversos problemas, fez com que se perdessem muitos pedidos de pagamento. Por outro lado, em Setembro de 2014, o arranque da nova organização dos tribunais, paralisou outros.
“Os processos tinham que ser validados por tribunais que se extinguiram. Por isso, foi preciso alocar essas confirmações a novas unidades orgânicas. É um trabalho complicado que ainda se está a fazer”, explica Sandra Horta e Silva, sem saber precisar o número de pedidos que ainda aguardam validação. A vogal admite igualmente que a crise tenha trazido mais beneficiários ao sistema de acesso ao direito.
No início deste mês, o IGFEJ está a pagar os serviços validados ao longo de Abril pelas secretarias dos tribunais e por outros serviços do Estado, como notários, autoridade tributária e centros de arbitragem. Isto porque para que os pagamentos sejam feitos, os honorários dos advogados têm de ser confirmados para garantir que o defensor está a pedir o pagamento de serviços que efectivamente prestou. A média de dias entre a confirmação do pedido e a autorização do pagamento tem vindo a descer. Em 2015 a ficou pelos 51 dias, contra os 82 dias registados no ano anterior.
Actualmente, as queixas mais recorrentes de atrasos acontecem na fase de validação, com pedidos a terem que aguardar anos para serem confirmados, por exemplo, nos julgados de paz, refere Sandra Horta e Silva.
A responsável atribui os problemas na validação à falta de funcionários, à falta de formação destes e ao facto do manual criado pelo Ministério da Justiça para orientar os oficiais de justiça estar à espera de homologação desde 2013. Mas este problema tenderá a atenuar-se, pelo menos nos tribunais com as novas funcionalidades informáticas que, desde meados deste mês, permitem aos advogados acompanhar em tempo real todo o processo de validação e pagamento dos serviços prestados no âmbito do apoio judiciário. “Todo o processo vai tornar-se mais transparente”, sustentou há dias ao PÚBLICO a bastonária da Ordem dos Advogados, Elina Fraga, quando as novidades foram apresentadas.
Mais consultas jurídicas
Até agora, os advogados enviavam o pedido de pagamento de honorários através de um sistema informático da Ordem, mas depois não conseguiam acompanhar o processamento do mesmo – feito num outro sistema do Ministério da Justiça, sendo obrigados a telefonar para as secretarias dos tribunais a pedir informações. “A tendência era cada um sacudir a água do capote. Agora a Ordem vai conseguir controlar os atrasos e identificar as secretarias onde se verificam atrasos”, sublinhou a bastonária.
Com a tabela de honorários congelada desde 2010, o aumento da despesa global significa necessariamente um crescimento dos serviços prestados, ainda que não necessariamente no ano em que foram pagos. No ano passado foi paga pelo Estado a intervenção de advogados em quase 154 mil processos, menos 29.500 do que em 2014, mas mais 25.750 do que em 2013. Relativamente a 2010, foram prestados serviços em mais 47 mil processos.
Nos últimos dois anos cresceu de forma significativa a cobrança da consulta jurídica. Trata-se de uma reunião com um advogado para este aconselhar o cliente sobre a forma de abordar um litígio concreto em que este está envolvido, muitas vezes sem recorrer aos tribunais. Sugerindo, por exemplo, o envio de uma carta. Em 2010, foram cobrados apenas 391 serviços deste tipo ao abrigo do apoio judiciário e no ano seguinte apenas um, valores muito inferiores aos 1256 pagos em 2014 e aos 1114 contabilizados o ano passado.
As escalas de prevenção para assegurar um defensor oficioso em diligências urgentes feitas em processos criminais também têm vindo a aumentar, tendo em 2015 atingido o recorde dos últimos seis anos. Foram pagas 26.817 escalas, mais do dobro das quase 13 mil cobradas em 2010.
Nos dois casos, a vogal do conselho geral garante que “há um pequeno aumento” dos serviços, mas muitos desde números referem-se a serviços prestados no ano anterior, como em 2011, ano em que só foi pago uma consulta. “O número não corresponde ao que efectivamente foi prestado nesse ano. De qualquer forma não existe uma prática de recorrer ao apoio judiciário para consultas jurídicas”, afirma Sandra Horta e Silva. Diferente é o caso das escalas de prevenção, em que os números não coincidem com as queixas recebidas pela ordem. “Temos muitos advogados a queixarem-se que são chamados cada vez menos para escalas.”
O apoio judiciário é pedido nos serviços da Segurança Social e a sua atribuição está dependente dos rendimentos e do património dos candidatos, sendo os pedidos decididos pelos directores dos Centros Distritais da Segurança Social. Há várias modalidades de apoio judiciário, umas que incluem o pagamento do advogado, outras das taxas de justiça e outras onde estes serviços são pagos pelo beneficiário mas em prestações ao Estado. A nomeação do advogado atribuído a cada beneficiário é feita de forma aleatória, por um sistema informático, que vai distribuindo os processos de forma equitativa pelos advogados inscritos no sistema.